O Brasil nunca escondeu que via na Venezuela de Hugo Chávez um mercado atraente para suas empresas.
"A presença da Venezuela no Mercosul (...) abre oportunidades para vários empreendimentos", disse a presidente Dilma Rousseff ao dar as boas-vindas ao país vizinho e rico em petróleo ao bloco regional, em julho de 2012.
E vários números sugerem que a aposta brasileira rendeu frutos.
Só no ano passado, o Brasil teve superávit comercial de US$ 3,45 bilhões no comércio com a Venezuela.
Esse saldo positivo foi na contramão da balança comercial total, que em 2014 registrou seu primeiro déficit anual neste século.
Especialistas como Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionias da FGV-SP, calculam que as empresas brasileiras têm contratos de cerca de US$ 20 bilhões com a Venezuela.
"O Brasil obteve muitos benefícios econômicos (na Venezuela) nos últimos 15 anos, e o chavismo era um sócio comercial confiável. Chávez e (seu sucessor Nicolás) Maduro deram preferência aos investimentos brasileiros", disse Stuenkel à BBC Mundo.
Mas essa relação enfrenta desafios inéditos, agora que a Venezuela passa por crescentes problemas econômicos e tensões políticas - despertando pedidos para que o Brasil tenha uma atitude mais firme com o governo "amigo".
'Questão interna'
Até agora, o governo Dilma vinha evitando criticar Maduro direta e publicamente, em contraste com a ação dos Estados Unidos, outro importante sócio comercial da Venezuela.
Na semana passada, Washington aplicou sanções contra sete autoridades venezuelanas e considerou o país uma "ameaça à segurança nacional" americana.
O Brasil vem medindo as palavras desde a prisão, no mês passado, do prefeito de Caracas, o opositor Antonio Ledezma, acusado pelo governo de um suposto plano de golpe.
O Itamaraty primeiro afirmou que acompanhava "com grande preocupação a evolução da situação na Venezuela". Mas a própria presidente Dilma Rousseff classificou a prisão de Ledezma como uma "questão interna" venezuelana.
Alguns dias depois, em 24 de fevereiro, o mesmo Itamaraty emitiu outro comunicado sobre a Venezuela, afirmando que "são motivo de crescente atenção as medidas tomadas nos últimos dias, que afetam diretamente partidos políticos e representantes democraticamente eleitos".
Assim como fez no ano passado, após as manifestações antigoverno que foram reprimidas na Venezuela, o Brasil pediu a retomada do "diálogo", por intermédio da União das Nações Sul-Americanas (Unasul).
Grupos defensores dos direitos humanos, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional, criticaram a posição brasileira - a HRW a chamou de "tímida" - diante da "prisão arbitrária" de opositores e de outros abusos que atribuem ao governo venezuelano.
E a oposição brasileira acusou o governo Dilma de ser "cúmplice" de Maduro e de agir em função de vínculos ideológicos.
Mas Stuenkel chamou essa visão de "simplista".
"A questão econômica (na Venezuela) é mais importante do que qualquer fator político", afirmou. "O comportamento brasileiro até hoje foi principalmente pautado por interesses econômicos."
Mas quais são esses interesses exatamente?
Pontes, usinas e dívidas
As empresas brasileiras participam de diversas atividades econômicas na Venezuela, desde o setor de alimentos e bens de consumo (em um mercado com sérios problemas de escassez) até em grandes obras de infraestrutura.
A empreiteira Odebrecht, por exemplo, tem vários projetos no país vizinho, incluindo a ampliação do metrô de Caracas, uma ponte de 11,4 km sobre o lago de Maracaibo (oeste do país) e o desenvolvimento da hidrelétrica de Tocoma (leste).
E a lista de produtos brasileiros exportados à Venezuela é extensa, com destaque para carne bovina, leite, medicamentos e maquinários.
No entanto, as dificuldades dos importadores venezuelanos para obter dólares têm provocado atrasos no pagamento para os exportadores brasileiros, ao mesmo tempo em que as empresas brasileiras instaladas no país vizinho também tiveram problemas para trazer seus dividendos.
A Câmara de Comércio Venezuela-Brasil calculava, no começo do ano, que esses atrasos somavam US$ 5 bilhões. Mas um funcionário venezuelano que falou sob condição de anonimato por se tratar de um tema sensível disse à BBC Mundo que a cifra poderia ser o dobro.
Welber Barral, ex-secretário brasileiro de Comércio Exterior e sócio da consultoria Barral M Jorge, sinalizou que os atrasos variam segundo o ramo do exportador. Segundo ele, seus clientes no setor alimentício "estão sendo pagos".
No entanto, ele indicou que os atrasos em geral e os problemas de liquidez (causados, na Venezuela, pela queda no preço internacional do petróleo) provocaram um recuo no comércio bilateral.
A situação parece preocupar o governo Dilma, que estudou debater com a Venezuela que as exportações brasileiras tenham como garantia o petróleo da estatal PDVSA ou seus derivados, para "desmonetizar" as trocas comerciais, informou o jornal Valor Econômico no fim de janeiro.
Mas Barral disse à BBC Mundo que isso seria insuficiente, já que o Brasil produz o mesmo tipo de petróleo que o seu vizinho. "O Brasil não tem o que importar" da Venezuela, disse ele.
Com o cenário econômico mais complexo também no Brasil - ante a valorização do dólar, diminuição da atividade econômica e inflação preocupante -, muitos acreditam que a última coisa que o governo brasileiro quer é mais instabilidade na Venezuela.
"Não se pode dizer que o impacto de um colapso venezuelano afetaria apenas alguns setores da economia brasileira", disse Stuenkel. "Na situação atual, com tantas notícias negativas, seria outro fator que afetaria de maneira muito negativa o quadro (atual)."
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