RENATO SANTOS 24/04/2017 Parece que as coisas não estão indo muito bem como queria o coronel do PMDB, RENAN CALHEIROS,O STF reabriu o processo que se encontrava travado.
Leia a íntegra do voto proferido pelo ministro Celso de Mello no julgamento no Inquérito (INQ) 2593, no qual o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) recebeu parcialmente a denúncia oferecida pela Procuradoria Geral da República (PGR) contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), pela suposta prática do crime de peculato, previsto no artigo 312 do Código Penal (CP).
01/12/2016 PLENÁRIO
INQUÉRITO 2.593 DISTRITO FEDERAL
V O T O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO:
1. A controvérsia penal
O Ministério Público Federal oferece denúncia contra o Senador da
República José Renan Vasconcelos Calheiros, imputando-lhe a suposta
prática dos delitos de falsidade ideológica (CP, art. 299, “caput”), de uso de
documento falso (CP, art. 304) e de peculato (CP, art. 312, “caput”).
A peça acusatória oferecida contra o ora denunciado, ao descrever o
comportamento que, em tese, configuraria os crimes de falsidade ideológica e
de uso de documento falso, afirma, em síntese, que “Os elementos colhidos no
curso deste Inquérito comprovaram que o Senador Renan Calheiros inseriu e fez
inserir, em documentos públicos e particulares, informações diversas das que
deveriam ser escritas com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente
relevante, qual seja, sua capacidade financeira para custear despesas de pensão
alimentícia, bem como atrasou tais documentos para subsidiar a defesa
apresentada nos autos da Representação nº 01/2007 do Conselho de Ética e
Decoro Parlamentar do Senado Federal” (grifei).
De outro lado, no que concerne à conduta que alegadamente
caracterizaria o delito de peculato, na modalidade peculato-desvio,
sustenta-se que, “No curso deste Inquérito, também ficou comprovado que, no
período de janeiro a julho de 2005, Renan Calheiros desviou, em proveito
próprio e alheio, recursos públicos do Senado Federal da chamada verba
indenizatória destinada ao pagamento de despesas relacionadas ao exercício do
mandato parlamentar” (grifei).
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INQ 2593 / DF
O Ministério Público Federal, desse modo, pleiteia a instauração da
pertinente persecução penal contra o ora denunciado.
Em sua resposta preliminar, o acusado postulou a rejeição da
denúncia, alegando, em caráter preliminar, que (a) os documentos “tidos
como ideologicamente falsos não se encontram juntados ao processo” e que
(b) a peça acusatória revela-se inepta, eis que “não é possível compreender, a
partir da leitura da peça inaugural, qual documento estaria sendo inquinado de
falso”.
O acusado sustenta, ainda, em sua defesa, no que concerne ao
“1º fato” narrado na denúncia (alegada prática dos delitos de falsidade
ideológica e de uso de documento falso), que “apenas veio a se inteirar dos
defeitos formais da administração das terras e do rebanho que possui após as
acusações que deram origem ao presente processo”, enfatizando a ausência de
qualquer prova evidenciadora da autoria dos delitos que lhe foram
imputados, eis que “a inexatidão de algumas informações mostra apenas a
precariedade do gerenciamento documental, acontecimento frequente no
âmbito rural” (grifei).
No que se refere ao “2º fato” descrito na peça acusatória (suposta
prática do crime de peculado), alega-se, em síntese, que “a ausência de
registro nas contas bancárias do acusado ou da empresa Costa Dourada, por si só,
não representa ausência de pagamento dos aluguéis de veículos apresentados na
prestação de contas da verba indenizatória”.
O denunciado postula, desse modo, com apoio nas razões por ele
expostas em sua resposta preliminar, “seja rejeitada a denúncia ou
reconhecida de plano a improcedência das acusações tanto de falsidade
ideológica e uso de documento falso como de peculato, absolvendo-se o
acusado, nos termos do disposto no art. 6º da Lei nº 8.038” (grifei).
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2. O processo penal como instrumento de salvaguarda dos direitos e
liberdades fundamentais de quem sofre persecução criminal
O dever de proteção das liberdades fundamentais dos réus, de
qualquer réu, representa encargo constitucional de que este Supremo
Tribunal Federal não pode demitir-se, mesmo que o clamor popular se
manifeste contrariamente, sob pena de frustração de conquistas históricas
que culminaram, após séculos de lutas e reivindicações do próprio povo,
na consagração de que o processo penal traduz instrumento garantidor
de que a reação do Estado à prática criminosa jamais poderá constituir
reação instintiva, arbitrária, injusta ou irracional.
Na realidade, a resposta do poder público ao fenômeno criminoso,
resposta essa que não pode manifestar-se de modo cego e instintivo, há
de ser uma reação pautada por regras que viabilizem a instauração,
perante juízes isentos, imparciais e independentes, de um processo que
neutralize as paixões exacerbadas das multidões, em ordem a que
prevaleça, no âmbito de qualquer persecução penal movida pelo Estado,
aquela velha (e clássica) definição aristotélica de que o Direito há de ser
compreendido em sua dimensão racional, da razão desprovida de paixão!
Nesse sentido, o processo penal representa uma fundamental
garantia instrumental de qualquer réu, em cujo favor – é o que impõe a
própria Constituição da República – devem ser assegurados todos os
meios e recursos inerentes à defesa, sob pena de nulidade radical dos
atos de persecução estatal.
O processo penal figura, desse modo, como exigência constitucional
(“nulla poena sine judicio”) destinada a limitar e a impor contenção à
vontade do Estado e à de qualquer outro protagonista formalmente
alheio à própria causa penal.
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O processo penal e os Tribunais, nesse contexto, são, por excelência,
espaços institucionalizados de defesa e proteção dos réus contra
eventuais excessos da maioria, ao menos, Senhora Presidente, enquanto
este Supremo Tribunal Federal, sempre fiel e atento aos postulados que
regem a ordem democrática, puder julgar, de modo independente e imune a
indevidas pressões externas, as causas submetidas ao seu exame e decisão.
É por isso que o tema da preservação e do reconhecimento dos
direitos fundamentais daqueles que sofrem persecução penal por parte
do Estado deve compor, por tratar-se de questão impregnada do mais
alto relevo, a agenda permanente desta Corte Suprema, incumbida, por
efeito de sua destinação institucional, de velar pela supremacia da
Constituição e de zelar pelo respeito aos direitos que encontram
fundamento legitimador no próprio estatuto constitucional e nas leis da
República.
Com efeito, a necessidade de outorgar-se, em nosso sistema jurídico,
proteção judicial efetiva à cláusula do “due process of law” qualifica-se, na
verdade, como fundamento imprescindível à plena legitimação material do
Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, e jamais deixando de reconhecer que todos os cidadãos
da República têm direito à livre expressão de suas ideias e pensamentos,
torna-se necessário advertir que, sem prejuízo da ampla liberdade de
crítica que a todos é garantida por nosso ordenamento jurídico-
-normativo, os julgamentos do Poder Judiciário, proferidos em ambiente
de serenidade, não podem deixar-se contaminar, qualquer que seja o sentido
pretendido, por juízos paralelos resultantes de manifestações da opinião
pública que objetivem condicionar o pronunciamento de magistrados e
Tribunais, pois, se tal pudesse ocorrer, estar-se-ia a negar, a qualquer
acusado em processos criminais, o direito fundamental a um julgamento
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justo, o que constituiria manifesta ofensa não só ao que proclama a própria
Constituição, mas, também, ao que garantem os tratados internacionais de
direitos humanos subscritos pelo Brasil ou aos quais o Brasil aderiu.
De outro lado, Senhora Presidente, não constitui demasia
rememorar antiga advertência, que ainda guarda permanente atualidade,
de JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, ilustre Professor das Arcadas
e eminente Juiz deste Supremo Tribunal Federal (“O Processo Criminal
Brasileiro”, vol. I/8, 1911), no sentido de que a persecução penal, que se
rege por estritos padrões normativos, traduz atividade necessariamente
subordinada a limitações de ordem jurídica, tanto de natureza legal quanto
de ordem constitucional, que restringem o poder do Estado, a significar,
desse modo, tal como enfatiza aquele Mestre da Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco, que o processo penal só pode ser concebido – e
assim deve ser visto – como instrumento de salvaguarda da liberdade
jurídica do réu.
É por essa razão que o processo penal condenatório não constitui
instrumento de arbítrio do Estado. Ao contrário, ele representa poderoso
meio de contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os órgãos
incumbidos da persecução penal. Não exagero ao ressaltar a decisiva
importância do processo penal no contexto das liberdades públicas, pois –
insista-se – o Estado, ao delinear um círculo de proteção em torno da
pessoa do réu, faz do processo penal um instrumento que inibe a opressão
judicial e o abuso de poder.
Daí, Senhora Presidente, a corretíssima observação do eminente e
saudoso Professor ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias
Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 33/35, item n. 1.4, 2ª ed.,
2004, RT), no sentido de que o processo penal há de ser analisado em sua
precípua condição de “instrumento de preservação da liberdade jurídica do
acusado em geral”, tal como entende, também em preciso magistério, o
Professor HÉLIO TORNAGHI (“Instituições de Processo Penal”,
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vol. 1/75, 2ª ed., 1977, Saraiva), cuja lição bem destaca a função tutelar do
processo penal:
“A lei processual protege os que são acusados da prática
de infrações penais, impondo normas que devem ser seguidas nos
processos contra eles instaurados e impedindo que eles sejam
entregues ao arbítrio das autoridades processantes.” (grifei)
A persecução penal, cuja instauração é justificada pela prática de
ato supostamente criminoso, não se projeta nem se exterioriza como
manifestação de absolutismo estatal. De exercício indeclinável, a “persecutio
criminis” sofre os condicionamentos que lhe impõe o ordenamento
jurídico. A tutela da liberdade, nesse contexto, representa insuperável
limitação constitucional ao poder persecutório do Estado, mesmo
porque – ninguém o ignora – o processo penal qualifica-se como
instrumento de salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais daquele que
é submetido, por iniciativa do Estado, a atos de persecução penal cuja
prática somente se legitima dentro de um círculo intransponível e
predeterminado pelas restrições fixadas pela própria Constituição da
República, tal como tem entendido a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal:
“O PROCESSO PENAL COMO INSTRUMENTO DE
SALVAGUARDA DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS
– A submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado
coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se
estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo à
intangibilidade do ‘jus libertatis’ titularizado pelo réu.
A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal
juridicamente vinculada, por padrões normativos que,
consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações
significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo
penal só pode ser concebido – e assim deve ser visto – como
instrumento de salvaguarda da liberdade do réu.
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O processo penal condenatório não é um instrumento de
arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de
contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os
órgãos incumbidos da persecução penal. Ao delinear um
círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que jamais se
presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença
condenatória –, o processo penal revela-se instrumento que inibe
a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-
-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova,
ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais
necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e
de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os
elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público.
A própria exigência de processo judicial representa
poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao
poder de coerção do Estado. A cláusula ‘nulla poena sine
judicio’ exprime, no plano do processo penal condenatório, a
fórmula de salvaguarda da liberdade individual.”
(HC 73.338/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
3. O significado do controle jurisdicional prévio da acusação penal
Examino, agora, a questão pertinente à admissibilidade da presente
acusação penal, não sem antes estabelecer premissas que considero
essenciais à formulação de meu voto, especialmente em face da situação
de evidente conflituosidade que se instaura entre o poder acusatório do
Estado, de um lado, e a pretensão de liberdade do acusado, de outro.
Sabemos todos, Senhora Presidente, que cabe ao Supremo Tribunal
Federal, nesta fase preliminar do processo penal de conhecimento,
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analisar se a acusação penal formulada pelo Ministério Público revela-se,
ou não, admissível para efeito de instauração da persecução penal em
juízo.
Esse controle prévio de admissibilidade – que reclama o exame da
adequação típica do comportamento atribuído aos acusados – também
exige a constatação, ainda que em sede de cognição incompleta, da existência,
ou não, de elementos de convicção mínimos que possam autorizar a
abertura do procedimento judicial de persecução penal.
Isso significa, portanto, que, ainda que as condutas descritas na peça
acusatória possam ajustar-se, em tese, aos preceitos primários de
incriminação, mesmo assim esse elemento não basta, só por si, para tornar
viáveis e admissíveis as imputações penais consubstanciadas na denúncia.
A viabilidade da presente denúncia está a depender, desse modo, da
análise de questão – que reputo de inegável relevância – consistente na
identificação, ou não, de justa causa, apta a legitimar a instauração da
presente ação penal, considerados os elementos probatórios que,
apresentados pelo Ministério Público, destinam-se, ainda que minimamente,
a demonstrar a possível e eventual ocorrência, no plano fático, das condutas
narradas pelo “Parquet”.
O que se revela essencial reconhecer é que a formulação de
acusação penal, para efetivar-se legitimamente, deverá apoiar-se, como
sucede na espécie, não em fundamentos retóricos, mas, sim, em
elementos, que, instruindo a denúncia, indiquem a realidade material do
delito e apontem a existência de indícios, ainda que mínimos, de autoria.
Cumpre ter presente, no ponto, na linha do magistério
jurisprudencial dos Tribunais em geral, que a formulação da acusação
penal, em juízo, supõe, não a prova completa e integral do delito e de seu
autor (o que somente se revelará exigível para efeito de eventual
condenação penal), mas a demonstração – fundada em elementos
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probatórios mínimos e lícitos – da realidade material do evento
delituoso e da existência de indícios de sua possível autoria:
“Denúncia – Recebimento – Suficiência da fundada
suspeita da autoria e prova da materialidade dos fatos –
Inteligência do art. 43 do CPP.
Para o recebimento da denúncia, é desnecessária a prova
completa e taxativa da ocorrência do crime e de seu autor,
bastando a fundada suspeita de autoria e a prova da
materialidade dos fatos.”
(RT 671/312, Rel. Des. LUIZ BETANHO – grifei)
Daí a orientação jurisprudencial firmada por esta Suprema Corte:
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FALSO
TESTEMUNHO: CÓD. PENAL, art. 342. DENÚNCIA: CRIME
EM TESE: RECEBIMENTO.
I. – Descrevendo a denúncia fato típico, contendo a exposição
do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias e a
classificação do crime, assim dando notícia da ocorrência de
crime pelo menos em tese, deve ser recebida (CPP, art. 41).
II. – Denúncia recebida.”
(Inq 1.622/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – grifei)
É preciso ter presente, neste ponto – consideradas as gravíssimas
implicações éticas e jurídico-sociais que derivam da instauração, contra
quem quer que seja, de “persecutio criminis” –, que se impõe, por parte
do Poder Judiciário, rígido controle sobre a atividade persecutória do
Estado, em ordem a impedir que se instaure, contra qualquer acusado
(não importando de quem se trate), injusta situação de coação
processual, pois ao órgão da acusação penal não assiste o poder de
deduzir, em juízo, imputação criminal desvestida de um mínimo suporte
probatório.
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Daí a advertência, Senhora Presidente, fundada no magistério
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que cumpre jamais
desconsiderar:
“A imputação penal não pode ser o resultado da vontade
pessoal e arbitrária do acusador. O Ministério Público, para
validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma
necessária base empírica, a fim de que o exercício desse grave
dever-poder não se transforme em um instrumento de injusta
persecução estatal. O ajuizamento da ação penal condenatória supõe a
existência de justa causa, que se tem por inocorrente quando o
comportamento atribuído ao réu ‘nem mesmo em tese constitui
crime, ou quando, configurando uma infração penal, resulta de
pura criação mental da acusação’ (RF 150/393, Rel. Min.
OROSIMBO NONATO).”
(RTJ 165/877-878, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
A própria exigência de processo judicial, como precedentemente
destacado, já representa, só por si, poderoso fator de inibição do arbítrio
estatal, de restrição ao poder de coerção do Estado e de limitação ao
poder de acusação do Ministério Público. A cláusula “nulla poena sine
judicio” exprime, bem por isso, no plano do processo penal condenatório, a
fórmula de salvaguarda da liberdade individual.
Daí a razão de ser desta fase preliminar de controle jurisdicional da
acusação penal, concebida, precisamente, para impedir a instauração de
lides temerárias ou para obstar a abertura de procedimentos destituídos
de base probatória fundada em elementos mínimos de convicção, os
quais, embora insuficientes para a formulação de um juízo condenatório,
mostrem-se aptos a fundamentar um juízo positivo de admissibilidade
da peça acusatória.
Não se pode ignorar, com apoio no magistério doutrinário, como
anteriormente já assinalado, que, com a prática do ilícito penal, “a reação da
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sociedade não é instintiva, arbitrária e irrefletida; ela é ponderada,
regulamentada, essencialmente judiciária” (GASTON STEFANI e
GEORGES LEVASSEUR, “Droit Pénal Général et Procédure Penale”,
tomo II/1, 9ª ed., 1975, Paris; JOSÉ FREDERICO MARQUES, “Elementos
de Direito Processual Penal”, vol. 1/11-13, itens 2/3, Forense), tudo a
justificar o ponderado exame preliminar dos elementos de informação
cuja presença revele-se capaz de dar consistência e de conferir
verossimilhança às imputações consubstanciadas na denúncia, sob pena
de esta fase introdutória do processo penal de conhecimento transformar-se em
simples exercício burocrático de um poder gravíssimo que foi atribuído
aos juízes e Tribunais.
Dentro desse contexto, e para efeito de recebimento da denúncia, assume
relevo indiscutível o encargo processual que, ao incidir sobre o órgão de
acusação penal, impõe-lhe o ônus de descrever com precisão e de
demonstrar, ainda que superficialmente, os fatos constitutivos sobre os
quais se assenta a pretensão punitiva do Estado.
4. Requisitos mínimos para o recebimento da denúncia
Assentadas tais premissas, entendo, na linha do douto voto proferido
pelo eminente Relator, e no que se refere à suposta prática do crime de
peculato, na modalidade de peculato-desvio (CP, art. 312, “caput”), que os
elementos probatórios constantes da peça acusatória satisfazem os
requisitos reclamados pelo dever jurídico que impõe, a quem acusa, o
ônus material de produzir, mesmo nesta fase preliminar do processo
penal, dados probatórios minimamente suficientes para permitir a
instauração da “persecutio criminis”.
Como muito bem ressaltado pelo eminente Ministro EDSON
FACHIN, o Ministério Público demonstrou, no caso, mediante elementos
mínimos de informação – tal como o exige a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal (RTJ 182/462, v.g.) –, a existência de dados de convicção,
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que, ao sugerirem a possível ocorrência dos fatos narrados na peça
acusatória e subjacentes ao crime de peculato, indicam a viabilidade da
acusação penal ora em exame quanto ao delito tipificado no art. 312,
“caput”, do Código Penal, o que significa registrar-se, na espécie, a
presença de um vínculo informativo minimamente necessário para
sustentar, de modo consistente, a presente denúncia.
Com efeito, o eminente Relator deste Inquérito observou que os
argumentos deduzidos pelo acusado não se revelam suficientes para
justificar a rejeição liminar da denúncia quanto ao crime de peculato,
pois existentes, na presente fase processual, elementos indiciários
mínimos, porém relevantes, que autorizam, embora somente para efeito de
instauração do concernente processo judicial, a formulação, pelo
Supremo Tribunal Federal, de um juízo positivo de admissibilidade da
acusação penal.
Eis, no ponto, no sentido que venho de mencionar, passagens
constantes do voto proferido pelo eminente Ministro EDSON FACHIN:
“II – PECULATO:
Quanto ao delito de peculato, entendo presentes indícios de
autoria e materialidade minimamente suficientes ao recebimento da
denúncia.
Os fatos apurados no presente Inquérito têm origem em
procedimento instaurado em face do denunciado junto ao Conselho de
Ética e Decoro Parlamentar do Senado em razão de representação
apresentada pelo Partido da Solidariedade (PSOL) visando a apurar
notícias de que a pensão alimentícia a que o denunciado se encontrava
obrigado a pagar estava sendo paga pelo preposto de uma empreiteira.
Dentre as razões da suspeita, apontou-se o descompasso
entre a suposta renda declarada pelo Senador e o valor do dispêndio
mensal a título de pensão.
Com o desenrolar das apurações, o denunciado alegou que
possuía renda lícita suficiente para arcar com o valor a que estava
obrigado, sustentando que advinha de seus subsídios de Senador e da
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atividade pecuarista. Apresentou uma série de documentos que
justificariam sua atividade de criação de gado e renda suficiente para
arcar com os valores, o que afastaria, em tese, a suspeita de que o
pagamento da pensão por terceiros constituiria propina.
A partir daí, exames periciais foram realizados nos documentos
apresentados pelo denunciado a fim de averiguar se seriam capazes de
provar renda suficiente. Outras hipóteses exsurgiram, dentre elas, a de
que o denunciado estaria se utilizando da verba indenizatória,
concebida para custear as despesas dos parlamentares no exercício do
mandato, para o pagamento da referida pensão alimentícia.
Após instaurado o Inquérito perante esta Suprema Corte,
por decisão do eminente Ministro Ricardo Lewandowski, a quem
sucedi na relatoria desse feito, foi decretada a quebra do sigilo
bancário do investigado e de pessoas físicas e jurídicas que, de algum
modo, relacionavam-se financeiramente com o denunciado.
Desta quebra surgiram indícios de que a verba
indenizatória, ao menos parte dela, estaria sendo apropriada ou
desviada pelo investigado, razão pela qual o Procurador-Geral da
República imputou ao acusado a prática de peculato na modalidade de
desvio.
Segundo a denúncia, constatou-se que no período de janeiro a
julho de 2005 o acusado, ao prestar contas dos valores recebidos a
título de verba indenizatória, apresentou 14 Notas Fiscais emitidas em
seu nome pela empresa Costa Dourada Veículos Ltda., cada uma delas
no valor aproximado de R$ 6.400,00 (seis mil e quatrocentos reais).
Apesar disso, ao se analisar os extratos bancários, tanto da
empresa Costa Dourada Veículos Ltda., quanto do próprio acusado,
não há lançamentos que correspondam ao efetivo pagamento desses
valores como contraprestação real da locação de veículos, o que
produz indícios de que as notas fiscais não representam real
transação comercial, mas sim, destinavam-se exclusivamente a
mascarar a apropriação ou o desvio do dinheiro público.
A prova da materialidade consubstancia-se no
Laudo nº 374/2009 (fls. 5951-5965), do Instituto Nacional de
Criminalística, que analisou a movimentação financeira do acusado e
da empresa Costa Dourada Veículos Ltda.
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Após análise da movimentação financeira obtida com a
quebra do sigilo bancário determinada pelo meu antecessor na
relatoria do feito, o eminente Ministro Ricardo Lewandowski,
concluíram os expertos que ‘foram encaminhadas para exames notas
fiscais de serviços emitidas pela empresa Costa Dourada Veículos
Ltda. em nome de José Renan Vasconcelos Calheiros. (…) As notas
fiscais de serviços apesentaram certa regularidade em relação ao valor
de R$ 6.400,00, ao período de emissão mensal e ao detalhamento dos
serviços de locação de veículos (…) Não foi identificado nos
extratos bancários de Renan Calheiros, nos anos de 2004 a 2006,
lançamento a crédito ou a débito vinculado à operação de crédito
citada ou às notas fiscais de serviço emitidas, situação
ratificada por meio de análise dos extratos bancários da
empresa Costa Dourada Veículos Ltda.’ (fls. 5961).
Como se vê, concluiu-se na perícia que analisou a
movimentação financeira do denunciado e da empresa Costa Dourada
Veículos Ltda. que o Senador apresentou ao Senado Federal para
prestação de contas do uso da verba indenizatória mensal, no período
compreendido entre janeiro e julho de 2005, notas fiscais mensais
correspondentes à locação de veículos, sem que se constatasse o
fluxo financeiro dos valores quer nas contas bancárias do
denunciado, quer nas contas bancárias da empresa.
A defesa alega que a ausência de registro nas contas
bancárias do acusado ou da empresa Costa Dourada, por si,
não representa ausência de pagamento dos aluguéis de veículos
apresentados na prestação de contas da verba indenizatória.
Alega que o acusado sacou em dinheiro a integralidade dos valores
referentes à verba indenizatória, e fez o pagamento em dinheiro à
Costa Dourada.
Repiso que nesta fase processual a dúvida pende em favor
do recebimento da denúncia já que o Ministério Público, desde
que fundado em indícios, tem o dever e o direito de provar, no curso da
instrução processual, acima de dúvida razoável, que a descrição do
fato típico que traz na denúncia é verídica.
Nesta fase, só se rejeita a denúncia se não houver sequer
indícios de materialidade e autoria. Não é o caso.
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Assim, ainda que não se possa descartar como eventualmente
verídica a afirmação da defesa, segundo a qual os valores
representados nas notas fiscais foram pagos em dinheiro e não
apropriados ou desviados, entendo que há outros elementos
indiciários que conferem mínimo de credibilidade suficiente à
imputação para que se instaure o processo penal.
Considero, nesse sentido, a relação próxima entre Idelfonso
Antônio Tito Uchoa Lopes, sócio da Costa Dourada Veículo Ltda. e o
denunciado, contra quem já pesaram indícios em outro inquérito de
ser intermediário do acusado na aquisição de empresas de
comunicação.
Ademais, embora reconhecida a prescrição quanto ao tópico,
como adiante procurarei demonstrar, a denúncia imputa ao acusado a
celebração de mútuo fictício com a empresa Costa Dourada Veículos
Ltda. para o fim de artificialmente ampliar sua capacidade financeira e
justificar perante o Conselho de Ética do Senado capacidade de arcar
com pagamento de pensão alimentícia.
Segundo se apurou, o contrato de mútuo teria sido celebrado
em 31.08.2015 no valor de R$ 178.100,00 (cento e setenta e oito mil e
cem reais), porém não foi declarado ao fisco pelo denunciado, suposto
mutuante. Além disso, não registrou a empresa qualquer valor a título
de remuneração do capital emprestado e no mesmo ano em que o
denunciado teria recebido R$ 78.000,00 (setenta e oito mil reais) da
empresa Costa Dourada a título de mútuo os sócios receberam
R$ 22.000,00 (vinte e dois mil reais) de pro labore e R$ 100.000,00
(cem mil reais) de dividendos. Já em 2005, o acusado recebeu
R$ 99.300,00 (noventa e nove mil e trezentos reais), embora o lucro da
empresa, de R$ 71.494,71 (setenta e um mil, quatrocentos e noventa e
quatro reais e setenta e um centavos), não tenha sido suficiente para
permitir a distribuição de pro labore aos sócios.
Ainda que esteja prescrito o delito de falsidade ideológica
do contrato em questão, a constatação de sua suposta realização, na
forma e nos termos mencionados, é indício da relação de estranha
proximidade entre o acusado e os sócios da Costa Dourada.
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Essa proximidade não é negada pela defesa, que reconhece,
inclusive, que referido empresário já ocupou cargo em comissão no
gabinete do acusado nos anos de 1995 a 1996.
Além disso, chama a atenção a suposta movimentação de
quantia nada desprezível em espécie. A opção pela realização de
pagamentos por serviços mensais no valor aproximado de R$ 6.400,00
(seis mil e quatrocentos reais) em espécie, ainda mais quando dotados
de certa regularidade, é elemento de convicção que aliado a outros
indícios não pode ser desprezado. É certo que não é proibido pagar
compromissos em dinheiro, em detrimento de outras formas mais
seguras, ágeis e práticas de movimentação financeira como cartão de
crédito, cheque, ordens de pagamento. Contudo, a alegada opção pelo
pagamento em espécie, de valores maiores, não pode ser sumariamente
desprezada.
Por fim, chama a atenção, ainda, o fato de que uma parcela
substancial do valor total da verba indenizatória para cobrir despesas
com o exercício do mandado parlamentar ser justamente direcionada
ao pagamento de aluguel de veículos, em localidade diversa de onde o
acusado exercia seu mandato, ainda que em sua base eleitoral.
Na época em que os pagamentos teriam sido feitos, o valor
total disponível para cada Senador a título de verba indenizatória, por
mês, era 12 (doze) mil reais, conforme Portaria do Presidente do
Senado nº 02/2003, valor este que só foi modificado em 21 de junho
de 2005 por meio do Decreto 04/2005 para 15 (quinze) mil reais.
Isso significa que o acusado teria dispendido com o aluguel de
veículos, no período compreendido entre janeiro e julho de 2005, mais
da metade do valor disponível para custear toda sua atividade
parlamentar.
A confluência desses indícios, em minha compreensão,
confere mínimo de verossimilhança suficiente à alegação constante da
denúncia segundo a qual as notas fiscais não refletem serviço
efetivamente prestado.
Sendo assim, com tais ponderações, recebo a denúncia pelo
crime de peculato.” (grifei)
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Desse modo, o exame a que procedeu o eminente Relator
convence-me da viabilidade da denúncia ora em análise em relação ao delito de
peculato, considerados, para tanto, os elementos probatórios mínimos
produzidos ao longo da investigação penal.
5. Rejeição parcial da denúncia
Observo, de outro lado, Senhora Presidente, que o eminente Ministro
EDSON FACHIN rejeita, em parte, a denúncia, por inépcia, quanto aos
crimes de falsidade ideológica e de uso de documentos falsos referentes a
documentos públicos (guias de trânsito animal – GTAs e declarações de
vacinação contra a febre aftosa).
Acompanho, integralmente, o Relator também nesse ponto, com a
vênia dos eminentes Ministros que rejeitam, em sua totalidade, a peça
acusatória ou que a recebem em maior extensão.
Cabe destacar, no ponto, por relevante, expressivo fragmento do voto
proferido pelo eminente Relator, na passagem em que, com inteiro acerto,
rejeitou, em parte, a denúncia, por inépcia, destacando que a peça
acusatória não demonstrou, em relação aos documentos nela indicados, quais
teriam sido as declarações omitidas ou as informações falsamente
inseridas, havendo aduzido, então, a esse respeito, o que se segue:
“IV – INÉPCIA PARCIAL DA DENÚNCIA.
…...................................................................................................
No caso dos autos, o Ministério Público Federal, no que
restou não atingido pela prescrição, imputa ao acusado a prática do
delito de falsidade ideológica e o posterior uso dos documentos
ideologicamente falsificados perante o Conselho de Ética do Senado
visando a demonstrar sua capacidade financeira para fazer frente ao
pagamento de pensão alimentícia o que, segundo a imputação, não
corresponde com a realidade.
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Sendo assim, deveria constar da denúncia ‘a narrativa dos
fatos conhecidos e a conexão, por via de atividade subsuntiva’, aos
elementos constitutivos do tipo de falsidade ideológica. (…)
…...................................................................................................
No caso concreto, entretanto, não é o que ocorre. O
Ministério Público, ao descrever a falsidade ideológica das GTA´s e
Declarações de Vacinação Contra Febre Aftosa apresentadas pelo
denunciado ao Conselho de Ética do Senado insiste que tais
documentos são inverídicos, porque, vistos em seu conjunto,
traduzem informações dissociadas daquelas abstraíveis de um
outro conjunto de documentos apresentado pelo próprio acusado ao
Conselho de Ética do Senado e, portanto, não se prestam a provar
sua alegada capacidade financeira.
…...................................................................................................
Perceba-se que não afirmam a falsidade ideológica, mas
afirmam que do confronto entre as informações extraíveis dos
diversos documentos não se comprova ideologicamente o efetivo
trânsito dos animais e, consequentemente, a renda declarada pelo
denunciado ao Conselho de Ética do Senado.
Enfim, as conclusões dos peritos, que subsidiaram a denúncia,
quanto a esses documentos, decorre do confronto de informações
conflitantes num conjunto de documentos comparado com outro
conjunto de documentos. GTA´s em confronto com Notas Fiscais e
Declarações de Vacinações ou, ainda, com a Declaração de Imposto de
Renda Pessoa Física.
Isso não permite, à evidência, cumprir com o exigido pelo
art. 41 do CPP, ao se imputar a falsidade ideológica de um
documento. A inverdade que emerge do documento ideologicamente
falso é intrínseca ao próprio documento.
Em outras palavras, para imputar a falsidade ideológica de
uma dada GTA, cumpriria ao Ministério Público demonstrar e
apontar na denúncia qual informação específica do documento
está em desacordo com a verdade, não bastando dizer que está
em descordo com outros documentos.
Cumpriria, portanto, para investigar a falsidade dos
documentos, dar um passo além nas investigações. O que se tinha, até
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o momento em que a denúncia foi oferecida, eram indícios de que
dentre os documento apresentados, alguns não representavam a
verdade e, portanto, eram falsos. Mas para cumprir o art. 41 do
CPP cumpriria ir além e demonstrar qual dentre os documentos
era falso e qual representava informação verdadeira ou,
eventualmente, demonstrar a falsidade de ambos.” (grifei)
Entendo, como bem o reconheceu em seu douto voto o eminente Ministro
EDSON FACHIN, que a acusação penal em referência, no que concerne,
especificamente, à alegada falsificação e uso de documentos públicos (as
guias de trânsito animal – GTAs e as declarações de vacinação contra a
febre aftosa), acha-se consubstanciada em peça juridicamente inidônea,
processualmente imperfeita e tecnicamente inepta, pois, ao elaborá-la,
o Ministério Público Federal incidiu em incontornável vício de caráter
jurídico-formal, deixando de observar as diretrizes básicas que regem a
formulação da denúncia (CPP, art. 41).
6. Extinção da punibilidade em relação aos delitos de falsidade documental
envolvendo documentos particulares
Acompanho, ainda, o eminente Relator, na parte em que declara
extinta a punibilidade do ora denunciado, em razão da prescrição da
pretensão punitiva do Estado, no que se refere aos delitos de falsidade
ideológica e de uso de documento falso alegadamente praticados com o
emprego de documentos particulares (notas fiscais de produtor; recibos
de compra e venda de gado; declarações de imposto de renda de pessoa
física; contratos de mútuo firmados com a empresa Costa Dourada
Veículos LTDA e livros de caixa de atividade rural), eis que o cotejo das
datas juridicamente relevantes evidencia, pelo cálculo prescricional, que já
se consumou, na espécie, em relação a tais delitos, a prescrição da pretensão
punitiva do Estado.
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7. Conclusão
Todas as considerações que venho de fazer, Senhora Presidente,
levam-me a acompanhar o substancioso voto proferido pelo eminente
Relator quanto ao recebimento parcial da denúncia formulada contra o ora
acusado, Senador Renan Calheiros.
É o meu voto.