Enquanto todos os holofotes no Congresso Nacional estão voltados para a provável instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre possíveis irregularidades na gestão da Petrobras, está prevista "na surdina" para até a semana que vem a votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado de um PL (Projeto de Lei) que modifica o Código Penal brasileiro para enquadrar a ação de grupos "black blocs" durante manifestações. A medida pretende punir com mais rigor quem praticar atos de vandalismo e violência coletivos -- principalmente se os suspeitos estiverem com os rostos cobertos -- e mira os protestos previstos para acontecer durante o período da Copa do Mundo, em junho.
Se aprovada, a lei prevê que a destruição de patrimônio público ou privado durante manifestações pode dar até cinco anos de cadeia para quem participar do quebra-quebra, além de aumentar as penas para os crimes de homicídio e lesão corporal se forem praticados durante "manifestações públicas, concentrações populares ou qualquer encontro multitudinário". No caso do homicídio doloso (quando há intenção ou assume-se o risco de matar a vítima), ele passa a ser qualificado com penas de 12 a 30 anos de prisão. No caso de machucar alguém, os acusados podem pegar até 12 anos de prisão, dependendo da gravidade das lesões provocadas na vítima.
O texto que deve ser votado e aprovado que o uso de capuz, capacete, máscara ou qualquer outro meio de esconder o rosto é um agravante no caso de alguém ser acusado de algum crime durante manifestações. "Não trata-se de proibir o rosto coberto durante as manifestações, trata-se de punir com mais rigor quem usar deste subterfúgio para cometer atos de vandalismo e violência", diz o senador Pedro Taques (PDT-MT), relator da matéria, jurando que o rosto coberto em si não é um problema.
De acordo com o texto original, apresentado pelo senador Armando Monteiro (PTB-PE) em dezembro do ano passado, na esteira das manifestações de rua que tomaram conta das principais capitais brasileiras durante a Copa das Confederações, em junho -- e foram ficando cada vez mais violentas com a atuação dos "black blocs" -- quem promovesse atos de vandalismo coletivo e generalizado ficava sujeito a uma pena de quatro a 12 anos de cadeia. Se o tumulto acontecesse durante uma manifestação de rua, a pena iria de sete a 15 anos para os acusados.
"É crime de vandalismo promover ou participar de atos coletivos de destruição, dano ou incêndio em imóveis públicos ou particulares, equipamentos urbanos, instalações de meios de transporte de passageiros, veículos e monumentos, mediante violência ou ameaça, por qualquer motivo ou a qualquer título", afirma o senador em sua proposta. O suspeito que fosse flagrado em uma manifestação portanto explosivos, coquetéis molotovs, rojões, combustível, porretes ou qualquer outro objeto que possa causar lesão ou destruição também poderia ser preso pelo crime e pegar até 20 anos de cadeia -- dependendo do dano causado durante os atos de vandalismo e violência. Mais multa para pagar os danos causados e responder a acusações complementares como lesão corporal, por exemplo.
"Incorre nas mesmas penas aquele que idealiza, coordena, estimula a participação, convoca ou arregimenta participantes para fins de atos de vandalismo, mediante distribuição de folhetos, avisos ou mensagens, pelos meios de comunicação, inclusive pela internet", justifica Monteiro em seu projeto de lei.
Relator da matéria na CCJ, Taques achou a redação do projeto ampla demais, e que considerou que poderia dar margem para a proibição e repressão das manifestações de rua de uma forma geral. Assim, ele preferiu propor um texto substitutivo que mexe em crimes já previstos no Código Penal ao prever a ocorrência deles em casos de vandalismo e violência coletivos. "Um tipo penal amplo como o ora proposto poderá levar a abusos praticados pelos órgãos de repressão do Estado de modo que reivindicações legítimas sejam abafadas pelo temor à prática do crime de vandalismo", afirma Taques.
"Uma pessoa que participa de uma manifestação social que, por atos de alguns, descamba para o vandalismo poderia ser considerada agente do crime de vandalismo mesmo que não tenha nenhuma relação com os vândalos. No limite, inclusive aquele que incentiva pela internet a participação de outras pessoas em passeatas legítimas poderia ser considerado agente do crime de vandalismo, caso sejam praticados crimes por terceiros", diz o relator.
Apoio
Em linhas gerais, o texto do relator conta com o apoio do governo federal, do MPF (Ministério Público federal) e ministérios Públicos estaduais, como o de São Paulo, e deve ser aprovado em caráter terminativo -- sem ser votado depois por todos os senadores no plenário -- na comissão de Justiça. De lá, segue para a comissão de Justiça da Câmara, onde também será votado em caráter terminativo. Aprovado, segue para sanção presidencial. A expectativa é que a lei esteja valendo antes do início da Copa.
"A infiltração de grupos radicais nitidamente motivados pela depredação e prática de violência desnaturam a beleza dos movimentos sociais, devendo ser punida pelo Estado", afirmou o procurador geral da República, Rodrigo Janot, durante seminário internacional sobre terrorismo na segunda-feira (7) em Brasília.
Na semana passada o Ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, afirmou que considera o texto em tramitação no Senado bom e que poderia abrir mão de enviar um PL do governo sobre o tema, conforme havia afirmado anteriormente, para "criar um consenso" em torno de um único texto. "Vou conversar com o senador Taques e dar nossa contribuição", disse Cardozo. "Para mim é importante, por exemplo, que o texto traga um dispositivo que impeça e puna com mais rigor a violência excessiva da PM contra manifestantes durante um protesto", disse o ministro.
Apesar disso, até agora a reunião não ocorreu e o dispositivo sugerido pelo ministro não havia sido incluído no texto. De acordo com a assessoria do relator da matéria na CCJ, a contribuição do governo é esperada até a última hora, no momento da votação do projeto.
Durante a onda de protestos de 2013, manifestantes detidos pela polícia chegaram a ser enquadrados na Lei de Segurança Nacional, um resquício da Ditadura, por falta de uma legislação mais adequada. A lei, promulgada em 1983 durante a ditadura militar pelo então presidente da República, o general João Batista Figueiredo, e ainda oficialmente em vigor, é a única legislação no Brasil que fala em terrorismo. Mesmo assim, superficialmente e no contexto da época, de conflito entre o regime e grupos organizados de esquerda que queriam derrubar o governo.
Em seu Artigo 20, o texto da Lei de Segurança Nacional diz que "devastar, saquear, extorquir, roubar sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas " é crime e pode render de três a a dez anos de prisão.
Dentro desta definição, um grupo de "black blocs" ou manifestantes que se envolver em quebra-quebra nas ruas durante eventuais protestos na Copa do Mundo podem ser considerados terroristas.
No início deste ano, em fevereiro, a bancada governista no Senado tentou aprovar um dispositivo do senador Romero Jucá (PMDB-RR) que redefinia o crime de terrorismo no Brasil, mas o projeto está empacado no plenário da Casa junto com a reforma do Código Penal. O Brasil não conta com uma legislação moderna contra terrorismo e isso também causa preocupação ao governo e poder judiciário, na remota hipótese de ataques durante o mundial de futebol.
Movimentos Sociais
Paralelamente, o Palácio do Planalto trabalha para tentar esvaziar eventuais protestos durante a Copa do Mundo. Na semana passada, o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, iniciou um tour pelas doze cidades-sede da Copa para uma série de reuniões com lideranças locais de movimentos sociais.
O primeiro encontro da série prevista até junho, batizada de "Diálogos Governo-Sociedade Civil: Copa 2014", aconteceu em Manaus. O objetivo é apresentar aos movimentos sociais os benefícios da Copa para o país, reafirmar o compromisso do governo com investimento em projetos sociais, moradia, educação, saúde e, claro, pedir ajuda para que o Mundial possa transcorrer sem maiores problemas.