RENATO SANTOS 01/09/2017 O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) ação em que pede a inconstitucionalidade da Lei 13.465, sancionada em julho deste ano, que trata da regularização fundiária rural e urbana e da ocupação de terras da União na Amazônia Legal.
Segundo o PGR, a lei afronta diversos princípios constitucionais, como o direito à moradia, a função social da propriedade, a proteção do meio ambiente a as políticas de desenvolvimento urbano, agrário e de redução da pobreza.
Ele sustenta que a norma promove um retrocesso legislativo, favorecendo a grilagem de terras e o desmatamento. “A aplicação da lei impugnada resultará em um dos maiores processos de perda de patrimônio público da história do Brasil, além de promover sensível aumento do quadro de concentração de terras nas mãos de poucos”, argumenta.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5771, Janot pede ao STF a suspensão imediata da lei, via liminar, pelos prejuízos que pode causar. Isso porque a norma, segundo ele, permitirá a privatização em massa de bens públicos, o que consolidará situações irreversíveis, como elevação do número de mortes em razão de conflitos fundiários, aumento da concentração fundiária e concessão de anistia a grileiros e desmatadores. “A lei impugnada tem o efeito perverso de desconstruir todas as conquistas constitucionais, administrativas e populares voltadas à democratização do acesso à moradia e à terra e põe em risco a preservação do ambiente para as presentes e futuras gerações”, sustenta.
A Lei 13.465/2017, fruto da conversão de uma medida provisória, modifica mais de uma dezena de leis ordinárias, muitas delas com mais de uma década de vigência elaboradas com ampla participação popular, “em grave distorção do sistema democrático e desrespeito à função legislativa”. “Ela autoriza transferência em massa de bens públicos para pessoas de média e alta renda, visando a satisfação de interesses particulares, em claro prejuízo à população mais necessitada, o que causará grave e irreversível impacto na estrutura fundiária em todo território nacional, seja por incentivar a ocupação irregular de terras (a “grilagem”) e o aumento de conflitos agrários, seja por suprimir as condições mínimas para continuidade daquelas políticas constitucionais”, argumenta.
Venda de terras públicas - Segundo cálculos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a nova legislação permite a venda de terras públicas a preço muito abaixo do valor de mercado – entre 10% e 50% do valor mínimo da pauta de valores da terra nua para fins de titulação e regularização fundiária elaborada pelo Incra – e sem necessidade de licitação. De acordo com levantamento do Imazon, a alegada “regularização” prometida pela lei representará perda de aproximadamente R$ 20 bilhões somente na Amazônia. A norma também amplia indevidamente as hipóteses de regularização fundiária, sem levar em conta o licenciamento ambiental e urbanístico, a participação popular ou a elaboração de estudos técnicos.
Além disso, ao criar o instituto da “legitimação fundiária”, o artigo 23 da lei confere o direito real de propriedade àquele que “detiver em área pública ou possuir em área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado existente em 22 de dezembro de 2016”. “A fixação desse marco temporal para fins de aquisição de propriedade, desassociado de qualquer exigência de tempo mínimo de ocupação da área ou vinculação de seu uso a moradia, acaba por premiar ocupações clandestinas e ilícitas por parte de ocupantes ilegais de terras e falsificadores de títulos (os chamados “grileiros”) e desmatadores, além de incentivar novas invasões dessa natureza”, destaca na inicial.
O PGR argumenta ainda que a legislação torna mais frágeis os mecanismos de contenção do desmatamento, pois passa ao domínio privado quantidade enorme de terras públicas e devolutas, além de dificultar a criação de áreas de proteção ambiental. Nesse sentido, promove severo retrocesso em matéria de direitos fundamentais, o que é vedado em normas internacionais firmadas pelo Brasil, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Protocolo de São Salvador.
A ADI é fruto de representação encaminhada pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC). A lei também é questionada por 61 entidades de defesa do meio ambiente, que protocolaram na PGR pedido de inconstitucionalidade, por considerarem que ela causa ampla privatização das terras públicas, florestas águas e ilhas federais na Amazônia e na zona costeira do Brasil.