Já em outubro de 2002, insatisfeito com os escândalos associados às privatizações e à fabricação do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, o Fórum da Cidadania de Santos pronunciou-se em defesa da reforma política, um tema recorrente, que ia e voltava do Congresso, mas continuava engavetado pelos parlamentares.
Em agosto de 2005, revoltados com a corrupção, a compra de votos no Congresso, o sistema de financiamento das campanhas eleitorais, a blindagem da política econômica, o monopólio dos meios de comunicação e o caráter imperial do presidencialismo, um conjunto de 150 intelectuais, liderados por professores da Unicamp, lançou manifesto exigindo a apuração das denúncias, a punição dos corruptos e a defesa da democracia. O documento declarava que o tipo de democracia em que vivemos tem sido útil para preservar o modelo econômico neoliberal, mas não para atender aos interesses da maioria da população brasileira.
Naquele mesmo ano, no mês de novembro, um conjunto de redes de entidades da sociedade civil – entre elas, a Associação Brasileira de ONGs, o Fórum Nacional de Participação Popular e o Fórum Nacional da Reforma Urbana – assumiu o propósito de construir uma plataforma dos movimentos sociais para a reforma do sistema político brasileiro.
O pior dos argumentos utilizados na mais recente campanha eleitoral foi o risco da cubanização do Brasil. Ou do seu equivalente venezuelano, a possibilidade de o país tornar-se uma “República Bolivariana”. É ameaça irracional só para colocar na campanha eleitoral da televisão. Cuba hoje é a Venezuela amanhã, a seguir o desabastecimento dos gêneros de primeira necessidade, a destruição das forças produtivas e o uso inadequado dos bilhões do petróleo.
É um exemplo de quão distante Cuba está da realidade do mundo. Algum mal-humorado pode dizer que o governo petista evita a palavra privatização o quanto pode. Prefere, por exemplo, concessão. É fato. Mas o que restou da economia de Cuba produz menos do que Goiás. O risco de cubanização é menor do que o de goianização da economia brasileira.
Cuba vive uma crise financeira desde 1991, quando a União Soviética ruiu. Os subsídios que recebia secaram. O país perdeu um terço de todas as suas riquezas em cinco anos. A situação melhorou um pouco graças a acordos comerciais com a Venezuela. O país vende petróleo a Cuba a um terço do preço de mercado, o que resultou no fim dos apagões em Havana. Tudo o que Cuba produz equivale à soma dos bens do Sri Lanka.
Raúl Castro assumiu o poder em 2008, quando seu irmão Fidel se afastou com uma inflamação no cólon. Nunca foi confirmada a informação de que o líder cubano, com 88 anos, sofre de câncer.
Cuba está pior do que Fidel. Respira por aparelhos.
Castro abriu o país ao turismo, promoveu a associação do Estado com grupos privados estrangeiros, legalizou a posse do dólar e autorizou mais de 150 atividades privadas, muitas ligadas a restaurantes familiares, táxis e funções pouco comerciais – artistas de rua que simulam ser estátuas e vendedores de CDs e DVDs piratas.
Estatal em Cuba é a palavra que sempre definiu o regime. Seja no tempo em que houve melhorara nos índices de saúde e educação, seja hoje como símbolo do modelo que ruiu.
Castro liberou a saída de cubanos do país sem necessidade de permissão especial. Antes da reforma migratória, a medida mais impactante de Raúl Castro havia sido a permissão de negociação de imóveis, uma exclusividade do Estado.
Relatório do Departamento de Estado americano calcula que 40% da economia cubana é informal. O governo cubano aponta um culpado para a crise: o embargo que, desde 1962, proíbe os norte-americanos de negociarem com a ilha.
Obama, na campanha de 2008, disse que chegara o tempo do fim do embargo comercial contra Cuba. Por um motivo simples: o embargo não levou à queda do regime, só piorou as condições de vida dos cubanos. Nos dois anos que restam de mandato a Obama, espera-se que levante o embargo. É ideia que se espraia nos meios norte-americanos, apesar da resistência conservadora. No começo do mês, o jornal The New York Times defendeu o fim do embargo em editorial.
Em viagem a Havana, acompanhei alguns dos passos do processo de abertura econômica que Raúl Castro começou a implantar na ilha. Os cubanos são simpáticos. Precisam de dinheiro, moeda forte, dólar. Vivem o racionamento de quase tudo, a renda mensal média está próxima a R$ 30. Os estrangeiros são sua principal fonte de renda. Não é à toa que os cubanos adoram os estrangeiros.
Durante uma caminhada para descobrir onde se localiza a sorveteria Coppelia, deparei-me com uma feira livre. Os cubanos têm o que chamam de caderneta, que dá direito uma cesta básica de produtos racionados. Na feira livre, podem comprar produtos com pesos cubanos. Mas a oferta é precária: batata, alface, alguma carne de segunda _ fora de refrigeração. Bons produtos só com a chamada moeda conversível, obtida com quem se relaciona com os estrangeiros, ou no mercado negro.
Nos subterrâneos da economia, vende-se de tudo. Antenas de TV por satélite são um dos itens mais cobiçados. Nos hotéis, os estrangeiros têm acesso a três canais cubanos com novelas brasileiras e locais, telejornais e debates. Canais chineses e venezuelanos abundam. Canais americanos, como ESPN e HBO, são muitas vezes contrabandeados.
Os mais velhos respeitam conquistas como moradia e educação. Reclamam de que procedimentos complexos na saúde são demorados. Todos se queixam da corrupção, inclusive Raúl Castro, que faz do tema um bordão em seus discursos.
A cultura é finíssima, apesar de pobre. Os músicos que já se apresentaram com os integrantes do Buena Vista Social Club se multiplicam a cada esquina. Vi um baixista tocando seu instrumento de modo virtuoso, apesar de haver colocado barbante no lugar das cordas por falta de dinheiro. Nos clubes noturnos, mães estimulam jovens a dançar com estrangeiros, sonhando com que as levem de Havana.
Nas ruas, os jovens falam abertamente da vontade de emigrar, da vontade de ter acesso livre à internet _ um luxo porque a conexão é discada e cara _ US$ 5 por dez minutos, quase uma semana de trabalho do cubano médio.
Em visita recente a Havana, executivos do Google calcularam que apenas um quarto dos 11 milhões de cubanos tem telefone fixo. A estrutura de telefones celulares é frágil, com limitada e cara possibilidade de transmissão de dados. O Google calcula que apenas 440 mil pessoas (4% dos cubanos) tenham acesso à internet, por meio de cibercafés e algumas universidades.
O presidente do Google, Eric Schmidt, disse que Cuba vive nos anos 90. “A Internet é fortemente censurada. A infraestrutura foi construída com tecnologia chinesa. O bloqueio não tem nenhum sentido para os interesses dos Estados Unidos: se pretendemos que Cuba se modernize, a melhor maneira de obter êxito é empoderar os cidadãos com telefones inteligentes/smartphones (não há quase nenhum hoje em dia), fomentar a liberdade de expressão e colocar ferramentas informativas diretamente nas mãos dos cubanos.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário
MUITO OBRIGADO ! SUAS CRITICAS, NOS AJUDAM A MELHORAR BLOG, SEUS COMENTÁRIOS SOBRE O ASSUNTO É IMPORTANTE PARA NÓS PARTICIPEM.