Em meio à reta final para a Olimpíada no Rio de Janeiro, encurtam-se os prazos e aumentam as pressões sobre comunidades que resistem a dar lugar às obras associadas aos jogos.
Ao todo, 22 mil famílias já foram reassentadas na cidade de 2009 a 2015, por força de novos empreendimentos ou por estarem em situação de risco. E 74% dessas pessoas receberam casas do programa Minha Casa, Minha Vida, grife da gestão Dilma Rousseff.
"Esse (casa própria) é um sonho que acompanha a humanidade desde o início dos tempos, um local onde você se protege e constrói seu futuro e sua vida", disse Dilma no mês passado ao entregar casas do programa, numa referência recorrente em discursos da presidente.
Uma pesquisa recente, contudo, investigou como essas novas moradias impactam os meios de subsistência dos beneficiários, e descobriu que nem sempre o programa é sinônimo de progresso e estabilidade econômica, como prega a narrativa oficial.
Ao entrevistar moradores de cinco comunidades do Rio, todas na mira de remoções ou já reassentadas em condomínios do MCMV, a socióloga Melissa Fernández Arrigoitia, da LSE (London School of Economics), encontrou pessoas em novas dificuldades financeiras – seja pelas contas adicionais a pagar, pela distância do antigo trabalho ou pelas novas despesas com transporte.
Para a pesquisadora do Departamento de Geografia da LSE, que ainda trabalha para quantificar as dezenas de entrevistas, um "reassentamento nem sempre 'assenta' a brutalidade e a exploração que caracterizam muitas remoções". "Essas injustiças podem continuar, mascaradas por novos moldes e formas", acrescenta ela.
Fernández Arrigoitia diz que ainda há pouca informação sobre como os beneficiários se sustentam após a mudança – e a investigação mostrou que as pessoas estão perdendo ou mudando de trabalho.
"A maioria passou a trabalhar em casa, com pequenas vendas, produtos de limpeza, beleza, reparos de computadores. E a renda dessas pessoas encolheu, pois cresceram as despesas com contas, taxas e itens de consumo", afirma.Trajetos de uma hora que se tornaram jornadas de até seis horas por dia explicam as reviravoltas profissionais, diz a socióloga. "Algumas pessoas citaram a exaustão causada pela distância. Uma mulher tinha carro, mas um dia quase morreu ao bater o veículo. Ela largou o emprego e montou um negócio em casa."
A pesquisadora diz ter ouvido moradores com sintomas de depressão e que associavam sentimentos de isolamento às mudanças. E afirma que o programa precisa considerar o impacto emocional e de saúde mental dessas remoções.
"Esse tipo de relato questiona a narrativa oficial desses projetos, como provedor de algo melhor em termos de desenvolvimento humano. Não estou negando que oferecem algo melhor em termos da casa, e muitas pessoas confirmaram isso. O objetivo da pesquisa é ampliar esse debate, mostrar que é mais complexo do que essa história de que é uma coisa boa e ponto", afirma.
Lançado em 2009, o Minha Casa, Minha Vida se tornou uma das principais vitrines eleitorais de Dilma. Atende famílias com renda mensal de até R$ 1.600 e desde então entregou 2,3 milhões de casas, de acordo com o balanço oficial – restam 1,6 milhão de unidades por entregar na segunda fase da iniciativa.
O programa privilegia projetos em áreas doadas ou desoneradas por Estados e municípios, e com os cortes orçamentários atuais – perdeu R$ 4 bilhões em recursos em 2015 (ou 28% ante 2014, na comparação até agosto) e ainda tem a terceira fase em compasso de espera.
Outro foco da pesquisa foi o Bairro Carioca, um conjunto de 2.240 unidades para 11 mil pessoas na zona norte. O complexo, um dos poucos projetos do MCMV próximos ao centro do Rio (cerca de 10 km), sofreu alagamentos no verão de 2013, pouco após ser ocupado por famílias retiradas de áreas de risco.
"Eles disseram se sentir muito mal tratados nos dias posteriores àquelas enchentes. Receberam coisas baratas, como cobertores e colchões, apenas para lidar com as consequências diretas. Sentiam que era um reforço da discriminação: 'o governo fez essas casas que eram para ser ótimas, elas inundaram, perdemos muitas coisas e agora recebemos coisas baratas apenas para lidar com isso'. Sentiam-se insultados nesse sentido", conta Fernández Arrigoitia.
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