RENATO SANTOS 21/02/2018 Um decisão que vai dar os direitos a mulheres presas gestantes no Brasil, claro que alguns vão fazer as mais famosas críticas na decisão do STF, mas é um direito que elas lutavam para conseguir.
Seguindo o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, o colegiado
determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar das
mulheres nessa situação, em todo o território nacional, sem prejuízo da
fixação de medidas cautelares alternativas.
De acordo com site do próprio Tribunal, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na sessão
desta terça-feira (20), por maioria de votos, conceder Habeas Corpus (HC
143641) coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva
por domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que
sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com
deficiência, sem prejuízo da aplicação das medidas alternativas
previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP).
Para o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos, impetrante do
habeas corpus, a prisão preventiva, ao confinar mulheres grávidas em
estabelecimentos prisionais precários, tira delas o acesso a programas
de saúde pré-natal, assistência regular na gestação e no pós-parto, e
ainda priva as crianças de condições adequadas ao seu desenvolvimento,
constituindo-se em tratamento desumano, cruel e degradante, que infringe
os postulados constitucionais relacionados à individualização da pena, à
vedação de penas cruéis e, ainda, ao respeito à integridade física e
moral da presa.
Sustentações
O defensor público-geral federal citou precedentes do STF e do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) para defender, da tribuna, o
cabimento de habeas corpus coletivo. Quanto ao mérito, destacou que “não
é preciso muita imaginação” para perceber os impactos do cárcere em
recém-nascidos e em suas mães: a criança nascida ou criada em presídios
fica afastada da vida regular.
Advogadas do Coletivo de Advogados em Direitos Humanos defenderam
também o cabimento do habeas coletivo, afirmando que apenas um
instrumento com esta natureza pode fazer frente a violências que se
tornaram coletivizadas. Para elas, trata-se do caso mais emblemático de
violência prisional com violação aos direitos humanos.
Também se manifestaram durante a sessão defensores públicos de São
Paulo e do Rio de Janeiro e representantes da Pastoral Carcerária, do
Instituto Alana, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva e do
Instituto de Defesa do Direito de Defesa.
Cabimento
Inicialmente, os ministros da Segunda Turma discutiram o cabimento do
HC coletivo. Para o relator, ministro Ricardo Lewandowski, o habeas
corpus, como foi apresentado, na dimensão coletiva, é cabível. Segundo
ele, trata-se da única solução viável para garantir acesso à Justiça de
grupos sociais mais vulneráveis. De acordo com o ministro, o habeas
corpus coletivo deve ser aceito, principalmente, porque tem por objetivo
salvaguardar um dos mais preciosos bens do ser humano, que é a
liberdade. Ele lembrou ainda que, na sociedade contemporânea, muitos
abusos assumem caráter coletivo.
Lewandowski citou processo julgado pela Corte Suprema argentina, que,
em caso envolvendo pessoas presas em situação insalubre, reconheceu o
cabimento de habeas coletivo. O mesmo ocorreu com o Superior Tribunal de
Justiça (STJ), que, em situação envolvendo presos colocados em
contêineres, transformou um HC individual em corpus coletivo.
Já o ministro Dias Toffoli citou, entre outros argumentos, os incisos
LXVIII, LXIX e LXX do artigo 5º da Constituição Federal, que afirmam o
cabimento de mandado de segurança quando não couber habeas corpus. Assim
como o MS pode ser coletivo, ele entende que o HC também pode ter esse
caráter. Contudo, o ministro conheceu em parte do HC, por entender que
não se pode dar trâmite a impetrações contra decisões de primeira e
segunda instâncias, só devendo analisar os pleitos que já passaram pelo
STJ. Nos demais casos, contudo, o STF pode conceder ordens de ofício, se
assim o entender, explicou o ministro.
Para o ministro Gilmar Mendes, do ponto de vista constitucional, é
preciso ser bastante compreensivo no tocante à construção do HC como
instrumento processual. O habeas, segundo o ministro, é a garantia
básica que deu origem a todo o manancial do processo constitucional. O
caso em julgamento, frisou, é bastante singularizado e necessita de
coletivização.
O decano da Corte, ministro Celso de Mello, defendeu que se devem
aceitar adequações a novas exigências e necessidades resultantes dos
processos sociais econômicos e políticos, de modo a viabilizar a
adaptação do corpo da Constituição a nova conformação surgida em dado
momento histórico.
O presidente da Turma, ministro Edson Fachin, concordou com os
argumentos apresentados pelos demais ministros quanto à elasticidade da
compreensão que permite a impetração de habeas corpus coletivo. Contudo,
acompanhou o ministro Dias Toffoli quanto à abrangência do
conhecimento, que não atinge decisões de primeira e segunda instâncias.
Mérito
Quanto ao mérito do habeas corpus, o relator ressaltou que a situação
degradante dos presídios brasileiros já foi discutida pelo STF no
julgamento da medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) 347. Nesse ponto, lembrou o entendimento jurídico
segundo o qual fatos notórios independem de provas.
A pergunta em debate reside em saber se há, de fato, deficiência
estrutural no sistema prisional que faça com que mães e crianças estejam
experimentando situação degradantes, privadas de cuidados médicos. E a
resposta, de acordo com o relator, é afirmativa. Ele citou novamente o
julgamento da ADPF 347, quando o STF reconheceu o estado de coisas
inconstitucional no sistema prisional brasileiro.
O relator citou dados do Infopen (Levantamento de Informações
Penitenciárias) que demonstram que as mulheres presas passam por
situações de privação. Para o ministro, é preciso tornar concreto o que a
Constituição Federal determina, como o disposto no artigo 5º, inciso
XLV, que diz que nenhuma pena passará para terceiro. E, para o ministro
Lewandowski, a situação em debate leva a que se passe a pena da mãe para
os filhos.
O ministro revelou que seu voto traz narrativas absolutamente
chocantes do que acontece nas prisões brasileiras com mulheres e mães,
que demonstram um descumprimento sistemático de normas constitucionais
quanto ao direito das presas e seus filhos. Não restam dúvidas de que
cabe ao Supremo concretizar ordem judicial penal para minimizar esse
quadro, salientou.
Além disso, o ministro lembrou que os cuidados com a mulher presa se
direcionam também a seus filhos. E a situação em análise no HC 143641
viola o artigo 227 da Constituição, que estabelece prioridade absoluta
na proteção às crianças.
O ministro destacou ainda que o legislador tem se revelado sensível a
essa realidade e por isso foi editada a Lei 13.257/2016 (Estatuto da
Primeira Infância) que, segundo Lewandowski, trouxe aspectos práticos
relacionados à custódia cautelar da gestante e da mãe encarcerada, ao
modificar o artigo 318 do CPP. O dispositivo autoriza o juiz a converter
a prisão preventiva em domiciliar quando a mulher estiver grávida ou
quando for mãe de filho de até 12 anos incompletos.
O relator votou no sentido de conceder a ordem para determinar a
substituição da prisão preventiva pela domiciliar – sem prejuízo da
aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no artigo 319
do CPP – de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de
crianças com até 12 anos sob sua guarda ou pessoa com deficiência,
listadas no processo pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e
outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados
os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave
ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações
excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelo
juízes que denegarem o benefício.
O ministro estendeu a ordem, de ofício, às demais as mulheres presas,
gestantes, puérperas ou mães de crianças, bem assim às adolescentes
sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território
nacional, observadas as restrições previstas quanto ao item anterior.
Os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Celso de Mello acompanharam integralmente o voto do relator quanto ao mérito.
Divergência
O ministro Edson Fachin divergiu quanto à concessão do HC.
Para ele, o
estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro,
reconhecido no julgamento da ADPF 347, não implica automático
encarceramento domiciliar. Apenas à luz dos casos concretos se pode
avaliar todas as alternativas aplicáveis, frisou.
O ministro votou no sentido de deferir a ordem exclusivamente para
dar intepretação conforme aos incisos IV, V e VI do artigo 318 do CPP, a
fim de reconhecer como única interpretação a que condiciona a
substituição da prisão preventiva pela domiciliar à análise concreta e
individualizada do melhor interesse da criança, sem revisão automática
das prisões preventivas já decretadas.
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