RENATO SANTOS 11/10/2016 Reunidos no dia 30 de setembro, um grupo de trabalhadores do Cenpes criou o movimento “Reage Cenpes”, para combater o esvaziamento do Centro de Pesquisas e defender a integridade da Petrobrás como empresa integrada de energia.
fonte : Esse boletim foi definido como proposta de trabalhadores do Cenpes
presentes na concentração ocorrida no dia
30/09/2016 e por eles escrito,
impresso e distribuído.
reagecenpes@gmail.com
No primeiro boletim divulgado pelo grupo, os malefícios do Plano de Negócios e Gestão, apresentado por Pedro Parente, são explicitados, além de mostrar alternativas realmente estratégicas para a Petrobrás.
Um manifesto contra a entrega do patrimônio da PETROBRAS
O Plano de Negócios e Gestão da Petrobras 2017-2021 foi apresentado à
força de trabalho no dia 20/09/2016.
Aplaudido pelo mercado, o objetivo do
plano é reduzir a alavancagem da Companhia (razão entre a dívida líquida e
o EBITDA - capacidade de geração de caixa, desconsiderados efeitos
financeiros e de impostos) de 5,3 (em 2015) para 2,5 até 2018 [1].
A tão
alardeada dívida total bruta acima dos US$ 120 bilhões [2] e o mito da Petrobras “quebrada” servem de justificativa para um plano que nada tem
de estratégico, transformando a Companhia em uma empresa de E&P,
exportadora de óleo cru, e ainda se baseando em parcerias para alcançar
uma produção diária de 3,4 milhões de barris de óleo e gás ao final do
período [2].
Após a divisão entre os parceiros, quanto desta produção de
fato será da Petrobras atualmente é uma incógnita.
Mas antes de qualquer coisa, vamos considerar uma questão crucial:
SERÁ QUE A PETROBRAS ESTÁ REALMENTE “QUEBRADA”?
O crescimento da dívida está diretamente vinculado a uma série de fatores:
1- Diante das perspectivas do Pré-Sal, a Petrobras investiu cerca de R$
424,65 bilhões entre 2010 e 2014, de modo a alcançar a meta superlativa de
produzir 4 milhões de barris/dia até 2020 [3]; 2-
A política equivocada de
congelamento dos preços dos derivados de petróleo, por quatro anos, para
controlar a inflação, gerou um prejuízo de cerca de R$ 100 bilhões de
acordo com os cálculos do CBIE [4]; 3- Uma vez que a participação da
dívida dolarizada no endividamento era de 70,4% no fim de setembro de
2014 [5], a variação cambial exerce fortes influências contábeis (e não
financeiras); e 4 - Queda acentuada nos preços do petróleo (de US$ 130
para US$ 50 o barril), a qual foi fortemente afetada pela mudança da
política monetária do FED.
Porém, graças ao fato de ser uma empresa integrada, as receitas da
Petrobras não têm vinculação direta com o preço internacional do barril,
mas se baseiam nos preços dos combustíveis no mercado interno. O lucro
bruto da empresa em 2015 apresentou um crescimento de 23% em relação a
2014, passando de R$ 80,4 bilhões para R$ 98,6 bilhões. O EBITDA foi de
R$ 73,859 bilhões em 2015, 25% superior a 2014 pelos maiores preços do
diesel e da gasolina, além da redução dos gastos com participações
governamentais e importações de petróleo e derivados devido à queda do
preço do barril [6].
Então como explicar os prejuízos registrados nos
últimos balanços da Companhia?
Aos “prejuízos recordes” atribuem-se as perdas por impairment
(desvalorização de ativos) de R$ 44,636 bilhões em 2014 e R$ 49,748
bilhões em 2015, além do valor de R$ 6,194 bilhões referentes às
estimativas de pagamentos de propinas (uma exigência da PWC por ocasião
da auditoria do balanço de 2014), despesas de juros e perda cambial (R$
32,908 bilhões em 2015) e prejuízos operacionais de R$ 21,322 bilhões em
2014 e R$ 12,391 bilhões em 2015 [6].
A maioria das grandes petroleiras
não registrou perdas por impairment, ou registraram-se valores irrelevantes,
por se entender que este tipo de exercício especulativo não seria
conveniente tendo em vista a volatilidade do preço internacional do barril Além do mais, empresas que apresentam uma taxa constante de descobertas
tendem a reconhecer menos impairment, pois o aumento das reservas
provadas, por exemplo, significa maior capacidade de recuperação dos
ativos de E&P [7].
A Petrobras poderia não ter penalizado seu balanço
financeiro da forma como fez se tivesse considerado suas perspectivas reais
(a empresa apresenta um índice de reposição de reservas acima de 100% há
23 anos [8]) ao invés de se ater à perda de seu grau de investimento.
Ressalta-se que a Companhia “foi criada em 1953 e só veio a adquirir grau
de investimento em 2007.
Portanto a empresa cresceu e se desenvolveu
durante 53 anos e ninguém percebeu que ela não tinha o “importante grau
de investimento”. O fato é que as empresas de “rating” recebem dinheiro de
grandes bancos e empresas para atribuir “rating” de acordo com seus
interesses. Em 2010 foi feito um documentário chamado “Trabalho
Interno”, que recebeu o Oscar em 2011, e esclarece bem o assunto” [9,10].
Do exposto, conclui-se que a Petrobras está longe de ser uma empresa falida
e que seus “prejuízos” são muito mais jogos contábeis que problemas
financeiros de fato. Nos últimos anos nossa Companhia apresentou
crescimento no volume de produção de óleo do Pré-Sal, na produção de
derivados, nas suas reservas provadas e no volume diário de entrega de gás
natural [11], tendo sido a única empresa entre os grandes majors do petróleo
a apresentar crescimento produtivo entre os anos de 2006 e 2014 [12].
O
endividamento, porém, é um problema real, mas, especialmente diante da
realidade apresentada, existem alternativas às vendas de ativos as quais a
direção da empresa absolutamente desconsidera, como a conversão das
dívidas com bancos públicos, empréstimo com o banco de desenvolvimento
do BRICS, capitalização com recursos do Tesouro Nacional por meio do
BNDES (vide Projeto de Lei 560/2015) e etc [13]. A perda de integração
gerada pela venda de ativos, no entanto, contribuirá para que o mito da
Petrobras falida se transforme em realidade.
CONTRADIÇÕES DO PNG 2017-2021
Desinvestimentos que se constituem em verdadeiras entregas do patrimônio da
empresa e formação de parcerias formam os pilares do plano, sendo entendidos
como mecanismos para “geração de valor” para evitar novas captações líquidas no
período 2017-2021 [1]. O problema é que não se assume o fato óbvio de que a
utilização das receitas de privatizações para amortizar a dívida da Companhia no
curto prazo, são, de longe, inferiores aos dividendos que deixam de ser recebidos
no futuro, a julgar pelos valores depreciados de venda dos ativos até então
entregues (49% de participação na Gaspetro por R$ 1,93 bilhões, 90% de
participação na NTS por US$ 5,2 bilhões, Carcará por US$ 2,5 bilhões...).
Apenas
com a valorização do real frente ao dólar a redução da dívida da Petrobras foi da
ordem de US$ 31 bilhões, ou seja, mais que duas vezes superior à meta de US$
15,1 bilhões que a direção da empresa pretende arrecadar vendendo ativos em
2016 [14,15].
O plano também prevê “a retirada integral da Companhia dos setores de produção
de biocombustíveis, distribuição de GLP (gás de cozinha), produção de
fertilizantes e das participações da companhia na petroquímica para preservar
competências tecnológicas em áreas com maior potencial de desenvolvimento”[1].
O curioso é que na mesma apresentação [1] afirma-se que “buscaremos usos
alternativos de maior valor agregado para o petróleo, incluindo a integração refino petroquímica”,
sendo que vamos nos retirar integralmente do setor. Inconsistente,
como igualmente inconsistente é a afirmação de que preservaremos a competência
tecnológica nestas áreas.
Difícil entender o que os profissionais das áreas
“desinvestidas” farão durante cinco anos para se manterem na vanguarda do
conhecimento. A saída da empresa do setor de biocombustíveis foi explicada pelo
entendimento de que: “claramente não somos os melhores operadores deste tipo de
produto.
O Etanol, por exemplo, é um produto basicamente agrícola e certamente
não é a nossa especialidade e a gente tem que ter humildade de reconhecer que tem
gente que faz isto melhor do que nós”[16]. Ao mesmo tempo afirma-se que
“continuaremos a ser a maior companhia integrada de energia do Brasil, em
petróleo e gás com crescente participação nas energias alternativas”[1].
Como se
pretende aumentar a participação neste setor mediante a venda de ativos? Em
vez de simplesmente privatizar, o modelo de negócios da Petrobras
Biocombustível deveria ser reavaliado para que a empresa tivesse acesso às
matérias primas a custos mais baixos, próximos aos custos de produção, poupando a
das manobras de reais e potenciais concorrentes [17].
De acordo com as
projeções da Agência Internacional de Energia "a participação dos biocombustíveis
na demanda de combustível para transporte rodoviário global deve sair dos atuais
3% para 8% em 2035" [18].
Não há razões para a Petrobras ter tanta humildade; a
Shell por exemplo, sócia na Cosan na Raízen [19], não tem. Se o mundo caminha
para as fontes renováveis, o que justifica que sigamos em sentido inverso?
Subsidiária direta da Petrobras, a Liquigás, empresa que atua no engarrafamento,
distribuição e comercialização de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), é uma outra
questão que salta aos olhos. Considerada como sendo um caso de “venda pura e
simples”, as transações em torno da Liquigás também esbarram no entendimento
do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Como fica a questão
da concentração de mercado?
A LÍQUIGÁS
A Liquigás está presente em 23 estados brasileiros (exceto Amazonas, Acre
e Roraima) [20]. De acordo com dados da ANP, sua participação no
mercado nacional é de cerca de 23% para envasados até 13 kg e 19% na
venda do industrial [21].
De outubro de 2015 a março de 2016, a empresa
apresentou uma média de venda exclusivamente de recipientes (botijões) de
até 13 kg de 7.626.000 botijões. Considerando a média da margem de lucro
bruto apresentada pela ANP, a Liquigás exibe um lucro bruto anual somente
na venda dos recipientes de até 13 kg, de aproximadamente R$ 1,4 bilhão
[22].
Outro ponto importante é que o banco Itaú BBA, ente responsável pela
seleção das ofertas para aquisição de 100% da Liquigás [23], é sócio do
Grupo Ultra, que representa a Companhia Distribuidora Ultragaz [24].
Isso
não deveria ser proibitivo para a participação deste banco no processo?
Outra polêmica é o fato de que o atual diretor financeiro da Companhia foi
membro do Conselho do grupo Ultra até fevereiro deste ano [25].
Atuando ativamente no agronegócio brasileiro no fornecimento de produtos
nitrogenados de alta qualidade às indústrias de fertilizantes e suplementos
minerais, as três fábricas de fertilizantes da Companhia (FAFEN-BA, SE e
PR) devem ser totalmente privatizadas segundo o PNG 2017-2021.
Com
isso, a Petrobras perderá a posição de maior produtora nacional de
fertilizantes nitrogenados, abrindo mão dos benefícios que esta demanda
para o gás natural representa, reduzindo seus ganhos com a produção de gás
e desprezando o grande potencial agrícola brasileiro com demandas
crescentes por fertilizantes (a taxa de crescimento estimada do mercado de
ureia até 2020 é de 3,4% a.a. [26]).
Em âmbito mundial o Brasil é o quarto
consumidor de fertilizantes, absorvendo 5,9% da demanda global, atrás
apenas dos Estados Unidos, da Índia e da China [27]. Várias barreiras
impedem a viabilidade econômica de novos projetos de unidades
industriais, impossibilitando o aumento da produção nacional, dentre eles, a
falta de tratamento isonômico entre produtos nacionais e importados,
garantindo uma justa competição no mercado, que hoje é totalmente
favorável ao produto importado [26].
Já em 2008, alertava-se contra o
oligopólio praticado pelas multinacionais no controle dos preços da
produção local e importada de fertilizantes no Brasil, o qual se iniciou em
1993, com a quebra do monopólio da Companhia na produção nacional
[28,29]. Com a saída da Petrobras deste setor, a tendência é de que os
problemas persistam e se intensifiquem, ao contrário do que dizem as
“vozes do Mercado”.
Um dos produtos da FAFEN-PR, o ARLA 32 é a abreviação de Agente
Redutor Líquido de óxidos de nitrogênio (NOx) Automotivo.
O número 32
refere-se ao nível de concentração da solução de ureia (32,5%) em água
desmineralizada [30]. Por determinação do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama), toda a frota nacional movida a diesel deve adotar o
“aditivo limpo”, seguindo as mudanças já vividas por vários países da
Europa, Estados Unidos, Austrália e Japão. Com isso, estima-se que em
pouco tempo o Brasil será um dos três maiores mercados de Arla no mundo,
com vendas estimadas em 1,25 bilhões de litros (US$ 1,125 bilhões) em
2020 [31].
A Petrobras Distribuidora comercializa em sua rede de postos o
produto com a marca Flua Petrobras.
Alinhada ao novo PNG, a Petrobras já anunciou que está negociando a
venda de suas participações na Companhia Petroquímica de Pernambuco e
na Companhia Integrada Têxtil de Pernambuco (Citepe), as quais formam o
Complexo Petroquímica Suape (PQS) [32].
A participação societária de
36,1% no capital total da Braskem (e 47% no capital votante), uma das
maiores do setor petroquímico no mundo, também será vendida, sendo que
a transação esbarra nas negociações para transferência dos direitos da
Petrobras para o futuro comprador [33].
A Companhia Petroquímica de Pernambuco produz o ácido tereftálico
purificado, PTA, matéria prima para produção de filamentos de poliéster,
polímeros e resina PET por parte da Citepe [34]. Para ser competitiva, a
Citepe deveria também produzir filamento POY (Partially Oriented Yarn)
[34,35], matéria prima para os filamentos texturizados DTY (usados na
fabricação de tecidos, malhas e outros). No entanto, o atraso na produção
(prevista para 2018) obriga a Citepe a importar o POY de países como a
Índia, acarretando grande aumento nos custos da empresa, especialmente
com a alta do dólar e a contração do mercado interno reduzindo a demanda
[35].
Assim sendo, não parece que o problema da PQS seja algo a ser
corrigido com privatização; a questão principal se refere aos erros da
estratégia adotada: sem operar de forma verticalizada, a indústria não
produz sua própria matéria prima e vive à mercê de importações [36]. Hoje,
as empresas estão sendo negociadas em caráter de exclusividade com a
mexicana Alpek [37], e mais um caminho consistente para geração de valor
ao portfólio da Companhia será abandonado.
“Criada em agosto de 2002 pela integração de seis empresas da
Organização Odebrecht e do Grupo Mariani, a Braskem é, hoje, a maior
produtora de resinas termoplásticas nas Américas, líder mundial na
produção de biopolímeros e maior produtora de polipropileno nos Estados
Unidos. Sua produção é focada nas resinas polietileno (PE), polipropileno
(PP) e policloreto de vinila (PVC), além de insumos químicos básicos como
eteno, propeno, butadieno, benzeno, tolueno, cloro, soda e solventes, entre
outros. Juntos, compõe um dos portfólios mais completos do mercado, ao
incluir também o polietileno verde, produzido a partir do etanol de cana-deaçúcar,
de origem 100% renovável” [38].
A Braskem é a única
petroquímica integrada de primeira e segunda geração de resinas
termoplásticas no Brasil, o que se traduz em vantagens competitivas, como
escala de produção e eficiência operacional. Em 2014, a receita líquida foi
de R$ 47,3 bilhões/US$ 14,3 bilhões (receita bruta de R$ 54,1 bilhões/US$
16,3 bilhões), enquanto que o EBITDA foi de R$ 9,4 bilhões/US$ 2,8
bilhões [38]. Qual a justificativa plausível e estratégica para se
abandonar este negócio?
E MAIS AQUELA QUESTÃO DO GÁS...
A proposta de “maximizar a geração de valor da cadeia do gás”, somada à
busca de uma “participação relevante no gás como energia de transição para
uma sociedade de baixo carbono” tornam-se sem sentido prático, uma vez
que a Companhia vende seus ativos nesta cadeia de forma acelerada, como
foram os casos da Gaspetro e da NTS e como será a privatização da NTN,
cuja venda está sendo planejada para 2017 [39].
A cisão da Gaspetro, em outubro de 2015, transformou-a em uma holding
que consolida as participações da Petrobras nas distribuidoras de gás
natural. Na ocasião, o Conselho de Administração aprovou também a
criação de uma nova subsidiária integral da Companhia (Petrobras Logística
de Gás S.A.), com a finalidade de receber os ativos e passivos não
relacionados ao negócio de distribuição de gás natural segregados da
Gaspetro [40].
Posteriormente, 49% do controle da nova holding foi
vendida para Mitsui por R$ 1,93 bilhão em um processo polêmico ainda
sujeito à contestação na Justiça [41], inclusive por conflito de interesses (o
presidente do CA da Petrobras na época era diretor presidente da Vale, que
mantinha negócios com o grupo Mistui) [42].
Apresentando um lucro médio entre os anos de 2012 a 2014 de R$ 1,77
bilhão [43,44], a perda de metade do capital da subsidiária da Petrobras
enfraquecerá o seu caixa em pelo menos R$ 880 milhões ao ano.
Lembrando que a Gaspetro reúne participações em 19 empresas estaduais
de distribuição de gás natural canalizado, a venda também implica em
problemas de concentração de mercado por parte da Mitsui [45].
A Nova Transportadora do Sudeste S/A e a Nova Transportadora do
Nordeste S/A são dois ativos altamente estratégicos para a Companhia, uma
vez que gasodutos são itens obrigatórios na produção de petróleo, pois sem
o escoamento do gás, o processo produtivo simplesmente para. Há que se
destacar também que gasodutos exigem investimentos consideráveis, uma
extensa fase de negociações com comunidades e órgãos ambientais, além de
muita engenharia.
O investimento na malha nacional foi arcado somente
pela Petrobras, tendo por isso mesmo conquistado o monopólio efetivo
sobre o transporte do gás. Empresas concorrentes precisam utilizar a
infraestrutura sob controle da Companhia ou, opcionalmente, arcar com a
construção de gasodutos paralelos, o que não aconteceu.
A porção da malha
sudeste é aquela onde se concentra a produção de gás, incluindo a do Pré-
Sal. Este ativo não é estratégico?
O valor a ser pago pela Brookfield, 5,2 bilhões de dólares em cinco anos
[46], foi assim reduzido porque a Petrobras preferiu não provisionar uma
garantia financeira a ser executada para cobrir passivos trabalhistas e
tributários que fatalmente apareceriam (prática conhecida como cláusula de
escrow account) [47].
A estratégia, vista como benéfica, embora desobrigue
a empresa de um pesado pagamento futuro, acaba por revelar
indubitavelmente o caráter lesivo da venda; um verdadeiro desconto no
valor dos ativos da Companhia. A Petrobras procedeu da mesma forma na
venda de seus ativos na Argentina para a Pampa Energia por apenas US$
897 milhões [47].
Até então, a Petrobras tarifa o transporte de gás de forma diferenciada entre
gás importado da Bolívia e gás nacional. Mesmo pensando no gás nacional,
a tarifação é ainda um tanto controversa, uma vez que grandes produtores
como Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia sofrem taxação maior pela
molécula de gás natural que Alagoas, por exemplo (Alagoas representa 3%
da produção nacional, versus RJ, ES e BA que em conjunto respondiam por
68% da produção em 2012) [48].
Por que não trabalhar em políticas mais
coerentes neste sentido? Por que não trabalhar na redução dos custos
operacionais? Agora que um consórcio privado controla 90% da NTS e
ainda sob as incertezas regulatórias do país e regimes de taxações
diferenciadas, a venda da empresa foi interessante para quem? E o que
dizer quanto à cobrança que será feita pelo uso deste ativo que
acabamos de vender? Qual poder de barganha a Petrobras terá sobre a
tarifa cobrada pelos novos donos da NTS?
AINDA SOBRE DESINVESTIMENTOS...
A Petrobras Chile Distribuición (PCD) é a companhia de distribuição de
combustíveis da Petrobras no Chile e possui 279 postos de serviço, além de
8 terminais próprios de distribuição, operações em 11 aeroportos,
participação em 2 empresas de logística e 1 planta de lubrificantes. Foi
vendida por irrisórios US$ 490 milhões, para a Southern Cross Group em
maio deste ano [49].
A participação da Petrobras de 66% no bloco exploratório BM-S-8,
localizado no campo de Carcará, no Pré-Sal da Bacia de Santos, foi vendida
por US$ 2,5 bilhões para a estatal norueguesa Statoil, a serem pagos em
duas partes iguais, sendo que a segunda está condicionada à unitização do
campo (que extrapola para áreas contíguas) [50]. Simplificadamente, o
termo unitização se refere ao estabelecimento das regras para uma operação
coordenada e conjunta de um reservatório de petróleo que extrapola para
vários blocos, por todos os detentores de direitos de cada bloco [51].
De acordo com a Statoil, “trata-se de uma descoberta de primeira classe,
com óleo de alta qualidade em torno de 30º API e gás associado em um
reservatório espesso com excelentes propriedades.
O reservatório abrange
tanto o bloco BM-S-8 quanto áreas não licitadas ao norte, que, estima-se,
devem fazer parte de rodada de licitação prevista para 2017. A Statoil está
bem posicionada para ser operadora do campo de Carcará pós-unitização,
na sequência desta transação, e a rodada de licitação será uma oportunidade
para aumentar ainda mais a participação neste campo.
A Statoil estima que
os volumes recuperáveis dentro do bloco BM-S-8 estejam na faixa de 700
milhões a 1,3 bilhão de barris de óleo equivalente (boe)” [52]. Isso quer
dizer que o valor da venda indica que as reservas recuperáveis foram
avaliadas em um preço de US$ 3 a US$ 5 por barril, segundo a consultoria
Raymond James. “Ainda segundo a corretora, Carcará deveria exercer um
papel importante na curva de produção da Petrobras a partir de 2020. A
expectativa é que, sem o BMS8, a Petrobras deixará de produzir
futuramente entre 462 milhões e 858 milhões de barris de óleo equivalente”
[53]. Mesmo diante da proposta de transformar a Petrobras em uma empresa
de E&P, a venda de Carcará foi mais um excelente exemplo de insucesso
estratégico.
Antecipando-se ao mais agressivo desmonte do Sistema Petrobras, o
Ministério de Minas e Energia iniciou conversas com empresas e
associações para discutir o “redesenho” do setor de combustíveis.
“O
governo se prepara para mudanças provocadas pela venda de ativos de
refino, distribuição e logística pela Petrobras. A empresa vai deixar de ser
hegemônica e passar a ser pautada pela lógica de mercado. Interferências
políticas, como controle de preços, perdem espaço neste cenário” [54].
Ainda na mesma referência [54], afirma-se que “pelas contas da Agência
Nacional de Petróleo, nesse período (até 2030), o país vai conviver com
uma defasagem recorde entre oferta interna e consumo de combustíveis. A
projeção é que a importação de combustíveis cresça em até 270% nesse
intervalo de tempo”. Cenário, sem dúvida, desolador para a empresa e
especialmente para o país.
COMBATE À CORRUPÇÃO
Valorizando práticas de fortalecimento da
governança, o plano estabelece que “o processo
de contratação de bens e serviços com foco em
valor” será gerido sob o máximo atendimento
aos requisitos de conformidade, em um esforço
conjunto de prevenção e punição da corrupção.
Louvável iniciativa, porém, longe de atingir
seus objetivos em plenitude, uma vez que os
modelos de contratação vigentes favorecem a
ocorrência de perdas financeiras para a
Companhia. Só para exemplificar, o modelo de
gestão de obras baseado em licitações do tipo
EPC (Engineering, Procurement and
Construction) propiciou a formação de um
cartel de empreiteiras e de um esquema de
propinas em torno das obras da PETROBRAS
os quais foram notoriamente lesivos à
Companhia.
No entanto, muito maiores foram
as perdas em função da transferência dos riscos
dos projetos para as “epecistas”, as quais
elevam consideravelmente seus custos em
função das contratações antecipadas [55]. Este
modelo de gestão, além de desperdiçar todo o
conhecimento adquirido pela PETROBRAS na
implantação de grandes empreendimentos, cria
reserva de mercado para poucas empreiteiras
[55] e, no limite da crise, gera emprego para
chineses e coreanos, à custa dos 11,8 milhões de
brasileiros desempregados em 2016 [56].
A FORÇA DE TRABALHO: O ÚLTIMO A SAIR, APAGUE A LUZ!
Sob o discurso de que a força de trabalho é o
grande valor da PETROBRAS, paradoxalmente
apresentou-se [1] que a redução do número de
empregados próprios foi de 9270, já desligados
nos PIDVs, além dos 9670 previstos para
desligamento até meados de 2017.
A redução
dos prestadores de serviços foi de 114.000
desde dezembro de 2014.
Competências estão sendo perdidas, sem que
tenha havido a necessária transferência de
conhecimento, gerências inteiras sofreram
grande impacto ou mesmo praticamente foram
extintas uma vez que a maioria de seus
colaboradores se desligaram nos PIDVs ou
foram demitidos.
Como a Petrobras pode se
manter na vanguarda diante da perda em
massa de parte relevante de seu maior valor?
PARA CONCLUIR A DISCUSSÃO SOBRE O PLANO
Nos próximos cinco anos, a Petrobras pretende investir US$ 74,1 bilhões,
uma redução de 25% em relação ao PNG anterior, sendo que 82% deste
montante irá para o E&P. Apenas 17% do valor será destinado ao aumento
da produção e à manutenção do parque de refino e gás, ou seja, ao invés de
se buscar a autossuficiência no abastecimento interno de gasolina e diesel,
prioriza-se a “vocação” brasileira de país exportador de commodities.
Concluindo a partilha dos recursos, 1% do total será aplicado nas “demais
áreas” da Companhia. É a gestão de recursos mais assimétrica dos últimos
anos [57].
Pontos não explicitados durante a apresentação do PNG 2017-2021, mas
muito comentados na imprensa, referem-se a venda de 51% na participação
da BR Distribuidora e a venda da Transpetro.
Talvez os maiores e
polêmicos erros estratégicos de todo o plano.
A Petrobras Distribuidora foi criada em 1971 como uma subsidiária integral
da Petrobras, a qual passou a atuar na comercialização e distribuição de
derivados do petróleo para todo o Brasil.
Devido ao enorme
desenvolvimento da Petrobras Distribuidora, já em 1974 a empresa assumiu
o posto de maior distribuidora do país, exercendo sua função em caráter
estritamente competitivo em condições de igualdade com as demais
distribuidoras e superando concorrentes nacionais e estrangeiras.
A
Distribuidora vem desenvolvendo parcerias para a implantação de unidades
térmicas a gás natural para fornecimento de energia elétrica, bem como
programas destinados aos clientes visando a otimização do uso dos seus
produtos, privilegiando os aspectos de economia de energia, preservação do
meio ambiente e segurança industrial. No Brasil, foi a primeira companhia a
utilizar bombas eletrônicas para abastecimento e a comercializar álcool
hidratado e gás natural como combustíveis automotivos; e também a
primeira a fornecer óleos combustíveis ultraviscosos, reduzindo
expressivamente os custos nas indústrias.
Foi também a primeira a lançar no
Brasil o óleo classe SJ, o Lubrax SJ, o Lubrax SL, um óleo de última
geração, em simultaneidade com os Estados Unidos, além do primeiro
lubrificante para motores a álcool, o Lubrax Álcool, a Gasolina Supra, o
Extra Diesel, lubrificante ecológico, além de várias outras ações comerciais
pioneiras” [58].
Contrariamente ao lucro anual médio de R$ 1,72 bilhão [59], a BR
Distribuidora resgistrou prejuízo de R$ 1,16 bilhão em 2015 (embora o
lucro bruto gerado com a venda de produtos e serviços tenha sido de R$
7,262 bilhões , ligeiramente superior ao obtido em 2014 [60]).
Os fatores
que impactaram no lucro líquido foram [60]: 1- Dívidas das empresas do
setor elétrico que atuam no chamado Sistema Isolado, basicamente na
região norte do país (provisionou-se um valor de R$ 2,863 bilhões referente
às dívidas); 2 – Impairment no valor de R$ 298 milhões referentes às
operações abaixo da capacidade instalada da base de Cruzeiro do Sul
(Acre); e 3 – Provisão de R$ 555 milhões referentes à autuações fiscais de
ICMS. Ou seja, novamente foram jogos contábeis que impediram a
apresentação de um resultado positivo da ordem de R$ 1,4 bilhão [60],
apesar do menor consumo de diesel e
óleo combustível utilizados pela indústria, transporte e geração de
energia.
A venda do controle da BR por parte da Petrobras representaria a perda de
um imenso valor para a Companhia, seja pelo desempenho operacional e
presença estratégica da Distribuidora em todo país, seja pelo fato da
empresa ser credora de R$ 5,4 bilhões devidos pela Eletrobrás, pela
possibilidade que um controlador privado terá de controlar os preços de
combustíveis e lubrificantes e pela sua capacidade de escolha dos
fornecedores de derivados refinados.
O imenso prejuízo decorrente da
capacidade ociosa nas refinarias brasileiras, causada por uma preferência do
controlador em importar derivados, faria com que o valor capturado pela
Distribuidora deixasse de ser percebido pela Petrobras e pela sociedade
brasileira como um todo [61]. Um controlador privado pode ainda adotar
práticas de engenharia financeira que mininizem o pagamento de impostos
federais e estaduais (evasão fiscal), rever as condições de pagamento pelo
fornecimento de combustível para entes públicos como hospitais, Corpo de
Bombeiros e Polícias, com prejuízos para toda a população, precarizar as
condições de trabalho e terceirização de seus colaboradores e cortar
programas de patrocínios sociais, ambientais e culturais [61].
Destaca-se
também o papel fundamental da BR no fornecimento de combustível para
as Forças Armadas, atuando como um dos elos fundamentais do Sistema de
Segurança Nacional.
O terceiro, da sequência de quatro documentários, Secrets of Seven Sisters, mostra
como empresas de petróleo privadas podem lucrar abusivamente por conta do
fornecimento de combustíveis às Instituições Militares [62].
Daniel Yergin, em seu
livro O Petróleo, igualmente apresenta relatos históricos esclarecedores sobre a
mesma questão [63].
“A BR Distribuidora, enquanto subsidiária integral da Petrobras permite que a
estatal conheça e regule toda a cadeia de valor. Com domínio sobre a estrutura de
custos, é possível garantir que o mercado seja competitivo. Com a alienação do
controle da BR, aumenta-se o risco de formação de cartel com a extração de
valores excedentes dos consumidores” [61].
De acordo com nota divulgada em O Globo, o Citibank já está cuidando dos
trâmites para iniciar a operação de venda da BR Distribuidora. Segundo o autor da
coluna, “o negócio será fechado por algo em torno dos R$ 12 bilhões” [64]. Venda
estratégica para quem? “Além disso, das 21 maiores empresas de óleo e gás do
mundo, 19 são integradas do poço ao posto.
Se o mundo enxerga valor na
integração da cadeia produtiva de petróleo, qual a razão da Petrobras abrir
mão do controle sobre uma atividade essencial? A marca BR é um ponto
relevante”, a mais forte expressão da Petrobras junto ao público, “mas o que está
em jogo é a capacidade da Petrobras escoar sua produção, garantir mercado para
seus produtos e ter equilíbrio em toda sua estrutura, maximizando os ganhos e
aproveitando oportunidades em qualquer cenário econômico” [65].
“A Transpetro é uma importante empresa para o transporte e a logística de
combustível no Brasil. Atua ainda nas operações de importação e exportação de
petróleo e derivados, gás e etanol. Com mais de 14 mil quilômetros de oleodutos e
gasodutos, 47 terminais (20 terrestres e 27 aquaviários) e 56 navios, a Transpetro
tem o desafio de levar combustível aos mais diferentes pontos do Brasil. Suas
operações também abastecem indústrias, termelétricas e refinarias. Como
subsidiária integral da Petrobras, une as áreas de produção, refino e distribuição do
Sistema Petrobras e presta serviço a diversas distribuidoras e à indústria
petroquímica.
Por isso, a Transpetro, tem atuação nacional, com instalações em 20
das 27 unidades federativas brasileiras” [66]. Em 2015, a receita operacional bruta
foi de R$ 9,549 bilhões e o lucro líquido de R$ 1,033 bilhão, superando a média
dos dois últimos anos, de R$ 908 milhões [66,67].
A área de dutos e terminais foi
responsável por 78% da receita operacional do ano passado.
De acordo com notícias divulgadas pela imprensa [68], talvez a Transpetro seja
dividida em duas para facilitar a venda. A dificuldade do negócio de venda,
segundo a matéria, passa pelo controle da Petrobras. “Os terminais pertencem à
estatal e foram cedidos à Transpetro. Para incluí-los no projeto seria necessário
uma reestruturação dos ativos.
Outro empecilho é a dependência da subsidiária em
relação à controladora – 98% do seu faturamento vem de serviços prestados à
Petrobras” [68]. O presidente do Sindicato dos Marítimos (Sindmar) alerta para o
óbvio: “Se a Petrobrás perde o controle, ou ela constrói outros terminais ou paga
para usar os atuais a preços de mercado” [68]. Venda estratégica para quem?
E o desenvolvimento em Ciência & Tecnologia? Qual o destino de Centro de
Pesquisas da Petrobras dentro deste contexto de propostas tão duras e lesivas
à Companhia? Por mais de 40 anos, o CENPES contou com um modelo integrado
de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia. Ao longo do tempo, esse modelo de
desenvolvimento tecnológico mostrou-se bastante robusto, eficiente e foi
responsável pelas maiores conquistas da empresa, dentre elas, a descoberta do Pré-
Sal.
Em maio de 2015, a Petrobras recebeu pela terceira vez o prêmio OTC
Distinguished Achievement Award for Companies, Organizations, and Institutions
“em reconhecimento ao conjunto de tecnologias desenvolvidas para a produção da
camada Pré-Sal. Esse prêmio é o maior reconhecimento que uma empresa de
petróleo pode receber na qualidade de operadora offshore.
Em 1992, a Petrobras
recebeu o prêmio por conquistas técnicas notáveis relacionadas ao
desenvolvimento de sistemas de produção em águas profundas relativas ao campo
de Marlim e, em 2001, por avanços nas tecnologias e na economicidade de
projetos de águas profundas, no desenvolvimento do campo de Roncador” [69].
A saída da Engenharia Básica da estrutura do CENPES, muito mais que uma mera
mudança de domicílio, representa a descarecterização e a perda de competências
adquiridas pela Companhia na concepção e gestão de grandes empreendimentos,
no desenvolvimento de tecnologias proprietárias a partir das experiências
operacionais e na implantação de melhorias para as unidades industriais, que vão
desde o aumento de capacidade de produção até a adequação às exigências
ambientais [70].
A criação e o desenvolvimento do mercado brasileiro de
fornecimento de bens e serviços destinados ao setor de óleo e gás se iniciou no
CENPES, com a Engenharia Básica. Perdê-la pode ser o início do fim.
Muito provavelmente intensificaremos a política de terceirização da pesquisa,
contratando cada vez mais universidades e agora também Empresas de Base
Tecnológica. Talvez, em um futuro próximo, o mais importante papel do Centro de
Pesquisas da Petrobras seja apenas o cumprimento das obrigações com a ANP.
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