O trotskismo é uma doutrina marxista baseada nos escritos do político e revolucionário ucraniano Leon Trótski.
É formulada como teoria política e ideológica e apresentada como vertente do comunismo por oposição ao stalinismo.
Em 1946 Hermínio Sacchetta, dirigente trotskista brasileiro nos anos 40 e 50, define assim o trotskismo:
" (...) trotskismo (é) o conjunto de ideias de Marx, Engels e Lênin defendidas sem quartel por Leon Trotsky. (...) Quero, pois, de início, acentuar que o trotskismo não constitui uma doutrina política. Nem mesmo a teoria da Revolução Permanente, que ganhou seus contornos definitivos graças à enorme contribuição que lhe proporcionou o criador do Exército Vermelho, pode lhe ser atribuída como uma concepção inteiramente original. Entretanto, foi em torno dessa teoria que se travaram quase todos os choques ideológicos no plano do movimento comunista, sobretudo de 1923 a esta parte. " (Palestra Sacchetta, 1946)."
ELE DEFENDE O MARXIMO
O trotskismo procura defender o marxismo em sua versão "ortodoxa", contra a burocratização do Estado Operário e política nacionalista da Internacional, a partir da ascensão de Josef Stálin ao poder em 1924 na União Soviética. Trótski desenvolve a ideia de Revolução Permanente e da "Lei do Desenvolvimento Desigual e Combinado".
Uma das principais divergência em relação ao pensamento de Stálin se concentra na oposição à defesa do "socialismo em um só país" (ver: divergências entre Stalin e Trotsky). A Teoria da Revolução Permanente desenvolve as teses já estabelecidas pelo Manifesto Comunista e, entre outros pontos, defende a necessária expansão da revolução internacional, como prioridade, ao invés do seu fortalecimento interno na União Soviética.
No final de sua vida Leon Trótski funda a IV Internacional (1938). Frente ao seu assassinato no México pelo agente da NKVD Ramón Mercader, sob as ordens diretas de Stálin, e a execução e assassinato de milhares de oposicionistas na URSS (Deutscher, O Profesta Banido) e fora dela, como o do dirigente do POUM Andreu Nin, o trotskismo se esfacela em distintas correntes que hoje se auto-denominam trotskistas e se organizam em diferentes agrupamentos da Quarta Internacional.
Para o stalinismo o trotskismo seria uma mera tentativa revisionista e heterodoxa de desvirtuar o que chamam de marxismo-leninismo, o que corromperia os valores revolucionários representados pelo regime stalinista na União Soviética.
REVOLUÇÃO PERMANENTE
A teoria da "Revolução Permanente" baseia-se na ideia do "desenvolvimento desigual e combinado". Segundo esta tese, elementos de um desenvolvimento econômico agrário com características feudais convivem simultaneamente com a indústria mais moderna do mundo, o que possibilitou, na Rússia, a revolução operária.
Este raciocínio, é o de que, se um país começa a se industrializar tarde, irá adotar as industrias mais modernas existentes na altura, logo, a pouca indústria que terá será altamente desenvolvida, podendo conviver com traços econômicos de épocas remotas.
A carroça ao lado do avião. E que estes elementos se combinam mutuamente. Nesta perspectiva, por exemplo, a escravidão foi um elemento importante do desenvolvimento do capitalismo no século XIX.
NÃO DESENVOLVE A BURGUESIA CAPITALISTA
Tal análise leva ao entendimento de que, mesmo em países em que a nobreza continua a ser a classe dominante e onde não se desenvolveu completamente a a burguesia capitalista, esta última já está em conflito com o proletariado, porque, como a pouca indústria existente é das mais modernas, os conflitos entre patrões e trabalhadores tendem a assumir os mesmos contornos que nos países desenvolvidos (Trótski elaborou esta teoria ao principio do século XX, uma época em que, nos países industrializados, a luta entre "proletários" e "burgueses" estava na ordem do dia).
Assim, a burguesia local estaria entre dois fogos: por um lado, continua submetida ao antigo regime feudal, o que a poderia levar a posições revolucionárias (como a burguesia europeia ocidental dos séculos XVIII e XIX); mas, por outro, já sofre a pressão dos trabalhadores, o que a leva a posições totalmente conservadoras (como a burguesia europeia ocidental do século XX).
Segundo Trótski, quanto mais tarde um país conhecesse o seu arranque industrial, mais conservadora seria a sua burguesia local, já que o medo ao proletariado seria mais forte que a sua oposição à nobreza.
Além disso, ao contrário da Inglaterra de 1688, da América de 1776 ou da França de 1789, já não existiria no século XX classe de pequenos e médios artesãos e comerciantes que pudesse fornecer a "mão-de-obra" para uma revolução burguesa (devido à modernização do sector industrial, o único "povo" disponível – nas cidades – são mesmo os operários).
É aqui que entra em cena a Revolução Permanente: segundo Trótski, a burguesia já não é capaz de fazer a "revolução burguesa" ela mesma,2 tendo que ser o proletariado a encarregar-se das tarefas democráticas3
Mas, sendo o proletariado a fazer a "revolução burguesa", este não se contentará com o programa "liberal-burguês" (i.e, a abolir a monarquia absoluta, liquidar o feudalismo, etc.), e irá logo começar a pôr em prática o "programa socialista" – assim, a revolução é "permanente", já que, pela sua própria dinâmica, tenderá a evoluir para posições cada vez mais radicais (no caso russo, a revolução começou por ser democrática e republicana (fevereiro) e, em poucos meses, tornou-se socialista).
Estas teses seriam contestadas pelos seguidores de Stalin, pelas alianças propostas no século XX com a Burguesia Nacional, para desenvolver a Revolução Democrática ou Burguesa, para depois organizar uma "futura" revolução socialista.
Assim foram as Frentes populares durante a Guerra Civil Espanhola (1933-1936) e no Chile de Allende no início da década de 1970, entre tantos exemplos (in Trotsky. L. Stalin, o Grande Organizador de Derrotas. 1928).
Mas, o que acontece se a revolução socialista triunfar num país semifeudal (de acordo com o cânone marxista, ainda não maduro para o socialismo)? A resposta que os trotskistas dão é que, num caso desses, a revolução só se manterá se tiver a ajuda de revoluções socialistas vitoriosas em países desenvolvidos – assim, a revolução deve ser "permanente", não só no aspecto do aprofundamento, mas também do alargamento. Se uma revolução socialista acontecer num país subdesenvolvido e não se expandir a países desenvolvidos, tenderá a "degenerar".
A explicação dessa "degenerescência" está noutra tese trotskista, a da "degenerescência burocrática das organizações operárias": a "exploração capitalista" estimula o desenvolvimento político do proletariado (já que o leva a lutar contra o sistema, e por isso a criar sindicatos, partidos, etc.) mas retarda o seu desenvolvimento cultural (já que a pobreza e/ou a submissão a um trabalho embrutecedor tenderão a "embrutecer" também o espírito do trabalhador).
Tal leva a que, nas organizações operárias de massa, tendem a surgir "dirigentes profissionais" ("burocratas", no jargão trotskista), que acabam por ser os verdadeiros chefes, enquanto que os elementos de base (devido ao tal "embrutecimento espiritual") se remetem, na maior parte do tempo, a uma posição passiva, em que se limitam a pagar quotas e a seguir as ordens da "Direcção" (no fundo, transferem para a organização operária os hábitos de submissão à hierarquia a que estão habituados na empresa capitalista).
Ora, num país pobre (como a Rússia em 1917), o "desenvolvimento cultural" do proletariado será ainda mais diminuto, pelo que no "Estado Operário" irão (tal como nos sindicatos e partidos operários) também surgir os tais "burocratas".5 Aliás, segundo os trotskistas, a longo prazo, só há dois caminhos possíveis – a burocratização do Estado ou o desaparecimento gradual do Estado.
Assim, nos "Estados Operários" (sobretudo se forem muito atrasados à partida), há duas tendências em confronto: por um lado, há a tendência para os burocratas irem concentrando o poder nas suas mãos e remeterem as massas a uma situação passiva; por outro, a elevação gradual do nível de desenvolvimento económico e cultural (e, se possível, o triunfo de revoluções operárias no estrangeiro) tenderá a estimular a participação popular e a enfraquecer o aparelho estatal.
Desta forma, a "construção do socialismo" não é um processo mecânico e linear (como, frequentemente, está implícito em muitos "estalinistas"), mas um caminho com avanços e recuos, em que a vitória só estará assegurada com a criação de uma sociedade comunista à escala mundial e com o desaparecimento do Estado (até lá, há sempre o perigo de uma contrarrevolução burocrática).
Além disso, a relação entre a burocratização e desenvolvimento é bilateral: tal como o atraso estimula a burocratização, também esta prejudica o desenvolvimento – segundo os trotskistas, a única alternativa eficiente ao mercado é a "democracia operária".6 P.ex, se for um patrão privado a organizar o trabalho dentro de uma empresa, tenderá a adoptar os processos de trabalho mais eficientes (para maximizar o lucro); se for uma Comissão de Trabalhadores a fazer isso, também tenderá a adoptar os processos de trabalho mais eficientes (para os trabalhadores fazerem mais facilmente o seu trabalho); se for gerida por um burocrata não-proprietário, não há nenhum incentivo para escolher os melhores métodos de trabalho. Outro exemplo: a questão
"O que produzir?" – como assegurar a ligação entre os que as empresas produzem e as necessidades dos consumidores?
No capitalismo, tal ligação faz-se pelo mercado; na "democracia operária", através da participação das organizações de trabalhadores e consumidores na elaboração do plano económico (Trótski chegou a dar o exemplo de um sistema em que os cidadãos pudessem escolher entre o "partido do carvão" e o "partido do fuelóleo"); já no sistema burocrático, em que a planificação é feita, não pelas organizações populares, mas por comités de "especialistas", não há maneira de assegurar que o plano corresponde às necessidades efectivas da sociedade (a respeito disso, Trótski escreveu que "a democracia, mais que uma necessidade política, é uma necessidade económica").
Desta forma, quanto mais poderosos forem os burocratas, mais atrasada será a sociedade (o que, aliás, acabará por tornar os burocratas ainda mais poderosos).
Logo, se uma revolução proletária triunfar num país atrasado e não receber o auxílio de revoluções em países desenvolvidos, o poder da burocracia atingirá dimensões consideráveis, podendo chegar a um ponto em que já não é possível lutar contra a burocratização dentro do sistema, sendo necessária uma nova revolução operária para restaurar o poder dos "Conselhos de Trabalhadores" (segundo Trótski, esse ponto de não-retorno – a que ele chamou o "Thermidor", por analogia com a Revolução Francesa – teria sido atingido na URSS em 1927). Por outro lado, se a nova revolução operária não ocorrer, o que irá acontecer será uma "contra-revolução social": a ineficiência económica do sistema burocrático e o desejo dos burocratas consolidarem a sua posição (passando de "administradores" a "donos") irá levá-los a restaurar a propriedade privada dos meios de produção e o capitalismo.
Desta forma, a opinião dos trotskistas era que os regimes do Bloco de Leste ("estados operários burocraticamente degenerados") seriam "regimes transitórios", intrinsecamente instáveis, estando à beira de serem derrubados, ou por uma "contra-revolução social", que restaurasse o capitalismo; ou por uma "revolução politica", que derrubasse o poder dos burocratas e do Partido Comunista e instaurasse a democracia dos "Conselhos de Trabalhadores", em moldes multipartidários (no entanto, diga-se que os trotskistas só começaram a defender o multipartidarismo nos anos 1930, depois de terem sido expulsos do PC – até lá, limitavam-se a defender o "direito de tendência" dentro do PC).
DISSINÊNCIAS NO BRASIL
Muitos dissidentes do trotskismo (Bruno Rizzi na Itália, Max Shachtman nos EUA, Tony Cliff na Inglaterra, Cornelius Castoriadis na França e etc.) criticaram esta tese, argumentando que os burocratas eram, para todos os efeitos, como se fossem proprietários, já que eram os "donos" do Estado e, portanto, indirectamente, da economia (logo, já não teriam necessidade de restaurar o capitalismo) – um dos mais célebres defensores desta tese foi o escritor George Orwell (em alguns aspectos, muito próximo do trotskismo), que a expôs nos seus romances "O Triunfo dos Porcos (no Brasil, A Revolução dos Bichos) e "1984".
Curiosamente, alguns ex-trotskistas americanos que seguiam esta linha (James Burnham, Irving Kristol) acabaram saltando da extrema-esquerda para a direita, dando origem ao movimento neoconservador.
O colapso de 1989 não resolve a questão, mas aponta elementos importantes:
Embora a tese trotskista do "regime transitório" assinalasse que se a revolução não avançasse provavelmente esses regimes cairiam muito cedo (uns meses antes de ser assassinado, Trótski escreveu que, se o regime estalinista sobrevivesse à II Guerra Mundial, seria necessário rever as suas teses, coisa que os trotskistas não fizeram; nos anos 1950, a sua viúva, Natália Sedova, abandonou o movimento trotskista, afirmando que não se podia continuar a chamar os países de Leste de "Estados operários burocratizados"9 );
Por outro lado, a uma escala histórica, foram relativamente breves (74 anos, no caso da URSS, e cerca de 45 nos países satélites), pelo que é difícil dizer que a tese trotskista estivesse errada. Além disso, foi necessário um duro processo de privatizações e apropriação individual dos meios de produção por parte das "Castas dirigentes" na URSS e em outros países do Leste nas décadas de 1980-90, processo que comprovaria o facto de que estas "burocracias" não eram "donas" da economia, mas passaram a sê-lo com a restauração do capitalismo.
Organizações
Desde a morte de Trótski os trotskistas têm-se dividido em várias correntes, assim estão constituidos os principais agrupamentos trotskistas (2012):
"Quarta Internacional (Pós-reunificação)" - Secretariado Unificado (SU), se intitula a "sucessora oficial" da IV Internacional de Trótski. Representado em Portugal pela APSR, ex-PSR - e no Brasil por militantes da Insurgência Socialista, antigos CSOL e Enlace - PSOL, além da participação como observadoras das tendências Movimento Esquerda Socialista e Resistência Socialista, ambas do PSOL. Essa corrente teve como principal dirigente histórico Ernest Mandel;
O "Comitê de Ligação Internacional para uma Internacional Operária" (também chamada "IV Internacional - 1993)", originou-se dos militantes - particularmente franceses (como Pierre Lambert e Luis Favre) - que nos anos 1950 recusaram a política do Secretariado Unificado de infiltração nos Partidos Comunistas (é representado em Portugal pelo POUS e no Brasil pela corrente que edita o jornal O Trabalho);
"Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI)" (Antiga Fração Bolchevique), organização que abandonou o SU por não concordar com a política de apoio incondicional aos sandinistas na Nicarágua, o que teria levado o SU a abandonar a perspectiva de construção de um partido revolucionário naquele país e também a apoiar a prisão e expulsão de militantes trotskistas. A LIT-QI é representada em Portugal pelo MAS, ex-Ruptura/FER e no Brasil pelo PSTU; Seu principal dirigente histórico foi Nahuel Moreno;
"Unidade Internacional dos Trabalhadores (UIT-QI)", composta por cisões da LIT-QI, representada pela Corrente Socialista dos Trabalhadores (CST) no Brasil;
"Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores", ligado ao antigo grupo britânico "The Militant" (representado em Portugal pela corrente "Socialismo Revolucionário" e no Brasil pela corrente "Liberdade, Socialismo e Revolução");
"União Comunista Internacional", ligada ao grupo francês "Lutte Ouvriére";
Tendencia Marxista Internacional - International Marxist Tendency, cisão do CIT;
CERQUI - Comitê de Enlace pela Reconstrução da Quarta Internacional , ligado ao POR Boliviano; Seu principal dirigente histórico foi Guillermo Lora;
Notas e referências
Ir para cima ↑ Trotsky 1906, Capítulo II - Cidades e Capital
Ir para cima ↑ Trotsky 1906, Capítulo III - 1789–1848–1905
Ir para cima ↑ Trotsky 1906, Capítulo IV - A Revolução e o Proletariado
Ir para cima ↑ Trotsky 1906, Capítulo VI - O Regime Proletário
Ir para cima ↑ Trotsky 1936, Socialism and the State
Ir para cima ↑ Trotsky, Leon (22 de outubro de 1932). The Soviet Economy in Danger (em Inglês). Marxist Internet Archive. Página visitada em 15 de fevereiro de 2013.
↑ Ir para: a b Trotsky 1936, The Question of the Character of the Soviet Union Not Yet Decided by History
Ir para cima ↑ Trotsky 1936, The Inevitability of a New Revolution
Ir para cima ↑ Trotsky, Natalia Sedova (9 de maio de 1951). Natalya Trotsky Breaks with the Fourth International (em Inglês). REDS – Die Roten. Página visitada em 15 de fevereiro de 2013.
Bibliografia[editar | editar código-fonte]
Batalha, Claudio H. de M. (org.) Dicionário do movimento operário. Rio de Janeiro do século XIX aos anos 1920. Militantes e organizações - Coleção História do Povo Brasileiro - Fundação Perseu Abramo, 2008.
Bensaïd, Daniel. Trotskismos. [S.l.]: Edições Combate, 2008. Página visitada em 8 de maio de 2013.
Sacchetta, Herminio (1946). O Trotskismo. Marxist Internet Archive. Página visitada em 9 de maio de 2013.
Trotsky, Leon. Balanço e Perspectivas. [S.l.: s.n.], 1906. Página visitada em 9 de maio de 2013.
Trotsky, Leon. A Revolução Permanente. [S.l.: s.n.], 1929. Página visitada em 9 de maio de 2013.
Trotsky, Leon. The Revolution Betrayed (em Inglês). [S.l.: s.n.], 1936. Página visitada em 15 de fevereiro de 2013.
Ligações externas[editar | editar código-fonte]
Trotskyist Parties and Organizations of the World (em inglês)
Publicações de Leon Trótski em português no Marxists Internet Archive - MIA
Encyclopedia of Trotskyism On-Line (ETOL) (em Inglês). Marxist Internet Archive. Página visitada em 9 de maio de 2013.
CONCLUSÃO
Têm sido propostas várias explicações para este fraccionismo constante: os trotskistas frequentemente afirmam que é apenas uma consequência da reduzida expressão do trotskismo (num partido minúsculo, os oposicionistas têm pouco a perder em saírem do partido e criar um novo); os estalinistas afirmam que a culpa está na organização democrática dos partidos trotskistas (ao reconhecerem o direito de tendência, estão a criar o embrião das cisões); há até quem diga que é uma questão de psicologia individual: sendo uma ideologia, simultaneamente, anti-capitalista e anti-estalinista, o trotskismo tenderia a atrair indivíduos com espírito de rejeitar as opiniões dominantes, logo, propensos a cisões…
O PT e os marxismos da tradição trotskista: Introdução
As organizações trotskistas brasileiras estão historicamente vinculadas à trajetória do movimento comunista internacional, à organização fundada por Trotsky: a IV Internacional, fundada numa conferência realizada em Paris, em 03 de setembro de 1938. Os fundadores adotaram um documento base redigido por Trotsky, que ficou conhecido como “Programa de Transição”. Para Trotsky e seus seguidores era necessário manter o fio da revolução proletária mundial rompido pela contra-revolução stalinista. Com o passar dos anos, a IV Internacional se dividiu em diversas tendências e frações. No emaranhado de siglas que reivindicam a continuidade da IV Internacional fundada, destacam-se Ernest Mandel, Nahuel Moreno e Pierre Lambert.
Mandel morreu em 20 de julho de 1995. Dirigente da IV Internacional (Secretariado Unificado - SU) desde 1946, Mandel iniciou a militância durante a 2ª guerra mundial, na resistência ao nazismo: tinha apenas 16 anos. Sobrevivente do campo de concentração, continuou a militância na Internacional e no Partido Socialista Belga. Expulso desse partido em 1964, por sua adesão ao trotskismo, ele fundou o Partido Socialista Operário da Bélgica. Internacionalista, chegou a ser proibido, no início dos anos 70, de entrar na França, EUA, Suíça, Austrália e Alemanha Ocidental. Sua produção intelectual é extensa. No Brasil, suas idéias permanecem vivas na ação dos militantes da Democracia Socialista, Tendência petista vinculada ao SU .
O argentino Nahuel Moreno liderou a formação da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT), uma dissidência da IV Internacional (Secretariado Unificado). Fundada em 1981, em Bogotá (Colômbia), a LIT é identificada ao morenismo. Após a morte do seu líder, em 26 de janeiro de 1987, a LIT viveu sua crise no final dos anos 80 e início da década de 1990. O ápice deste processo foi a divisão da sua maior e mais importante seção: o Movimento ao Socialismo (MAS). [1] No Brasil era representada pela CS – maioria no PSTU.
Em 1994, a Tendência Bolchevique Internacionalista (TBI), rompeu com a LIT e fundou o Centro Internacional do Trotskismo Ortodoxo (QI). [2] Este organismo é apoiado em nosso país por um grupo de trotskistas que rompeu com a Convergência Socialista por divergir do processo de construção do PSTU. Essa dissidência chama-se Liga Operária Internacionalista (LOI) [3]
A QI-CIR (Quarta Internacional – Centro Internacional de Reconstrução) representa a VS lambertista do trotskismo. Assim ficou conhecida devido à liderança de Pierre Lambert, dirigente histórico da Organização Comunista Internacionalista (OCI), seção francesa da QI-CIR. O lambertismo também se dividiu nos anos 80 e, em 1993, reproclamou a IV Internacional. Sua seção brasileira é a Corrente O Trabalho.
Ressalta-se ainda a liderança de Jorge Altamira e Guillermo Lora, dirigentes que são referências internacionais para vários militantes do trotskismo na América Latina.
O primeiro destaca-se na liderança do Partido Obrero (PO) da Argentina. No Brasil, suas posições são compartilhadas pelo Partido da Causa Operária (PCO).[4] Lora é a expressão máxima do Partido Operário Revolucionário (POR) boliviano.
Em nossos trópicos, é reverenciado pela Tendência pelo Partido Operário Revolucionário (T-POR). PO e POR eram as principais seções da Tendência Quarta Internacional (TQI), formada no final dos anos 70 após a expulsão do Partido Obrero do seio da QI-CIR. A TQI, por sua vez, fragmentou-se no final dos anos 80, com a evolução das divergências entre suas principais lideranças e seções nacionais. [5]
Por fim, devemos registar a IV Internacional Posadista, criada por J. Posadas – também argentino – ainda nos anos 60. [6]
Não é nosso objetivo discutir os motivos da sua fragmentação em diversos organismos internacionais.
Contudo, é inquestionável que esta realidade também influi diretamente sobre a atuação prática e as formulações teóricas dos trotskistas brasileiros.
Sem desconsiderar este fator, interessa-nos sobretudo analisar como cada organização em particular evoluiu em relação ao PT e à conjuntura nacional e internacional. Nesta parte, analisaremos as principais correntes trotskistas. Começaremos pela corrente O Trabalho.
[1] O Movimento ao Socialismo (MAS) já havia sofrido uma cisão em 1988, com a expulsão dos “trotskistas ortodoxos”, os quais fundaram o Partido dos Trabalhadores ao Socialismo. Estes setores passaram defender a reconstrução da IV Internacional, embora se reivindicassem da LIT. O racha se deu em 1992.
[2] Eles declaram que a LIT degenerou, isto é, tornou-se revisionista: abandonou o Programa de Transição e se adaptou a um programa e uma política etapista. Portanto, se colocam a tarefa de dar continuidade à luta de Trotsky e de Nahuel Moreno. A cisão deu-se no 5º Congresso da LIT. Ver o texto (sem título) que explica os motivos da ruptura, assinado pelo Secretariado Internacional. Centro Internacional del Trotskismo Ortodoxo (IV Internacional), em: Panorama Internacional, nº 1, outubro/dezembro de 1994, pp. 34-50.
[3] Os dissidentes consideraram que a CS se diluiu no PSTU, o qual é caracterizado como “um movimento que não tem o eixo de sua política na luta anti-imperialista e que centra sua atividade no processo eleitoral burguês”. Liga Operária Internacionalista. Pela construção de um partido revolucionário no Brasil. Ver: O Socialista, nº 01, agosto de 1994, pp. 02-03. (Este texto é apresentado como seu manifesto de fundação).
[4] A Causa Operária surgiu a partir de um núcleo de militantes que divergiu da política da OSI em relação aos sindicatos e à política de construção do partido revolucionário, que resultava em posições opostas sobre o PT. Fundada em seu 1º Congresso, em fevereiro de 1980, sob o nome Organização Quarta Internacional (TQI).
[5] Um painel sobre os trotskistas e suas internacionais até os anos 80 está em História das Tendências no Brasil, op. cit., pp. 204-212.
[6] A IV Internacional Trotskista-Posadista ressurgiu recentemente no Brasil com a retomada da publicação do periódico Frente Operária, que se apresenta como o “Jornal periódico fundado em 1953, pelo Partido Operário Trotskista-Posadista (PORT-P). ressurgem criticando a “desfiguração e adaptação” do PT à “institucionalidade burguesa”. Esclarecem que o jornal deixou de circular por quatro anos, por problemas organizativos, mas que sua intervenção não cessou neste período, “tanto na América Latina, como na Europa, como no Brasil”. “Encontros do PT: desfiguração e adaptação à institucionalidade”. Frente Operária, nº 477, junho de 1977, p. 03.
[7] Por uma questão pedagógica e metodológica, consideramos mais apropriado tratar esta corrente neste capítulo –já que ela se insere no quadro das organizações que se reivindicam do trotskismo. No entanto, ela foi uma das principais componentes do Movimento Na Luta PT!
E NO CASO DA VENEZUELA É O PSTU
O jornal Opinião Socialista, órgão oficial do PSTU, festejou recentemente a fusão da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI), a qual este partido é a sua principal seção nacional, com o minúsculo Centro Internacional do Trotskismo Ortodoxo (CITO), que aparentemente inexiste no Brasil.
Caso não ocorra nenhum novo racha, estas duas organizações, que se separaram há mais de uma década, deverão formalizar sua unificação no congresso mundial da LIT previsto para março de 2008.
A notícia, que não teve maior impacto na luta de classes real do país, merece menção apenas porque atesta, mais uma vez, o sectarismo e o principismo que norteiam a atual política do PSTU.
O documento da fusão coloca sob suspeição os recentes “acenos” unitários do PSTU, que tenta evitar seu isolamento. Na sua obsessão pela demarcação de campos, não perdoa nem sequer outros partidos que se reivindicam herdeiros de Leon Trotsky. “Unem as duas organizações acordos básicos hoje questionados ou abandonados por grande quantidade de organizações mal denominadas revolucionárias e ‘trotskistas’, que sucumbiram ao vendaval oportunista”, inicia o texto. A eterna cisão entre as correntes trotskistas já é bem conhecida pela esquerda mundial, sendo até motivo de chacota. O que importa no documento é a sua abordagem sobre a situação da América Latina, no qual fica patente que para o PSTU ninguém presta.