AGRESSÃO  CONTRA  MULHER  VAI  SER  PUNIDO  PELO INSS
Responsáveis por mortes são condenados a bancar a pensão das vítimas; quem agride gay e negro também está na mira
Por
 discordar do fim do relacionamento, o aposentado H.B.* matou a 
companheira a facadas em Teutônia, no interior gaúcho em 2009. Bêbado e 
sem carteira de habilitação, o empresário A.S.* atingiu em alta 
velocidade um outro veículo, e matou o motorista, na cidade potiguar de 
Paramirim. 
No ano passado, o aposentado e o empresário se 
destacaram dos inúmeros autores de violência doméstica e de trânsito do 
Brasil: foram dois dos primeiros a serem condenados a ressarcir o
 Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) pelos gastos das pensões por morte que estão sendo pagas aos herdeiros das vítimas.
Os
 casos têm servido como catalizadores para um projeto que o governo tem 
implementado com cautela: cobrar de motoristas imprudentes e agressores 
de mulheres os gastos com benefícios previdenciários pagos a essas 
vítimas ou seus herdeiros, como aposentadoria por invalidez, 
auxílio-acidente e pensão por morte. O bolso de quem pratica violência 
contra gays e negros ou outros crimes de ódio é o próximo alvo.
“Estamos
 pensando em outras ações, sim, especialmente ligadas a direitos 
humanos. Crimes de ódio, ações racistas que podem gerar o afastamento e 
um profisisonal por questão psicológica”,  o procurador-chefe do INSS, Alessandro Stefanutto.
Governo aguarda sinal verde do STJ
Desde
 2012, o INSS, por meio da Procuradoria-Geral da República (PGF), tem 
ido à Justiça cobrar os gastos causados à Previdência por quem pratica 
atos ilícitos.
Os primeiros alvos são homens enquadrados na Lei 
Maria da Penha por agredirem suas companheiras e motoristas que causam 
acidentes de trânsito. Sem saber como a Justiça reagiria a essas 
cobranças, apenas 15 processos foram apresentados, segundo dados da 
Advocacia-Geral da União (AGU), à qual a PFG é ligada.
Em 2013 e 
2014, entretanto, dois dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs) do 
Brasil deram sinal verde às ações regressivas, como são chamadas: o 
TRF-4 (Porto Alegre) condenou o aposentado H.B. a bancar a pensão por 
morte para a família de sua companheira; e o TRF-5 (Recife) obrigou o 
empresário A.S. a arcar com o benefício aos herdeiros do motorista que 
matou.
O caso de H.B. chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ)
 em novembro do ano passado, e está na mão do ministro Humberto Martins.
 Se o governo conseguir um sim, abrem-se as portas para que o aposentado
 deixe de ser excessão, e passe a ser regra.
“Testada [a ação regressiva contra quem agride mulheres] no STJ, nós podemos mergulhar de forma mais contundente e não ter medo de ir entrando com um monte de ações”, diz ao 
iG o procurador-chefe do INSS. “Na de trânsito, embora não tenha chegado ao STJ, a tese é a mesma da Maria da Penha.”
Estudioso
 de ações regressivas, e favorável a elas em casos de crimes, o advogado
 Alessandro Mendes Cardoso vê boas chances de os ministros do Tribunal –
 e, eventualmente, do Supremo Tribunal Federal (STF) – darem razão ao 
INSS e à PGF.
“A ação regressiva trabalhista [em que o patrão é responsável por um acidente que vitima o empregado] já foi julgada constitucional. O raciocínio é o mesmo [no caso de ilícitos]”, afirma o advogado. “A Previdência existe para custear eventos normais. A partir do momento em que existe um ato doloso [intencional] e ele gera uma repercussão previdenciária, há um dano social [que deve ser ressarcido].”
Cardoso lembra que mesmo pessoas que ainda não foram condenadas pelos crimes podem ser alvos das ações regressivas.
'Previdência não é companhia de seguro', diz advogado de réu
A
 ideia do governo até pode ser boa, mas não encontra respaldo na lei, 
afirma Francisco Lourenço Júnior, que faz a defesa do empresário A.S.
"Aparentemente
 a questão é justa, mas a legislação não permite", diz o advogado. "O 
INSS não é uma seguradora. Se fosse, a família de quem se suicidou não 
receberia pensão por morte."
O empresário A.S. foi condenado a 
arcar com todo o valor que o INSS vier a pagar em pensões por morte para
 a família da vítima. Lourenço Júnior estima que a conta ficará em pelo 
cerca de R$ 300 mil.
"O motorista [
que morreu] era muito jovem, tinha na faixa dos 30 anos".
Um terço dos acidentes pode resultar em cobrança
Em
 caso de agressões, virtualmente qualquer pessoa que cause um gasto à 
Previdência pode ser alvo de uma ação regressiva. Em acidentes de 
trânsito, Stefanutto diz que um estudo preliminar indica a possibilidade
 de processos em 30% das ocorrências.
“[
Numa] estimativa 
muito pessimista, a cada 100 acidentes, teríamos 30 casos potenciais de 
entrar com ação”, afirma o procurador-chefe do INSS. “Se eu tiver 50 mil
 mortes por ano, 15 mil casos por ano podem ser avaliados.”
Serão 
priorizados os incidentes que gerarem pensões por morte, mas 
aposentadorias por invalidez e mesmo auxílios-acidente também serão 
avaliados, diz Stefanutto.
Objetivo é mais pedagógico que critério
A
 Previdência paga R$ 12,5 bilhões por ano em benefícios a pessoas que 
sofreram acidente – equivalente a 24% do déficit da Previdência em 2013,
 de R$ 51,3 bilhões –, o que ajuda a explicar porquê o tema ganhou 
prioridade nas ações regressivas. Stefanutto, entretanto, nega que o 
foco seja arrecadação, e defende o viés educativo da medida.
“Você
 está pagando por aquele que decide bater em mulher e dirigir bêbado”, 
afirma o procurador-chefe do INSS. “Nós queremos mudar a percepção da 
sociedade de que a pessoa faz coisa errada e nada acontece.”
*Os nomes dos réus foram preservados  fonte  portal  ig